Do Pantanal para Campinas
ANDREI MEIRELLES E MARIANA SANCHESNo escândalo que abala a maior cidade do interior de São Paulo, os investigadores descobriram indícios de que o esquema de fraudes com contratos de publicidade voltou a se repetir
ELO
O publicitário Dudu Godoy (à esq.) tem contratos com a prefeitura de Campinas, comandada por Dr. Hélio (no alto), e estava no governo de Zeca do PT (acima) em Mato Grosso do Sul quando houve desvios na área de comunicação
O publicitário Dudu Godoy (à esq.) tem contratos com a prefeitura de Campinas, comandada por Dr. Hélio (no alto), e estava no governo de Zeca do PT (acima) em Mato Grosso do Sul quando houve desvios na área de comunicação
O escândalo do mensalão em 2005 mostrou como os contratos públicos de publicidade viraram um dos canais preferidos dos políticos para superfaturar serviços, desviar dinheiro para campanhas eleitorais e, no meio do caminho, também enriquecer alguns espertalhões. O lobista mineiro Marcos Valério, operador do mensalão, tornou-se o símbolo da corrupção nessa área. O valerioduto, pelo qual as verbas de publicidade oficial eram drenadas para a compra de apoios políticos e caixa dois de campanhas, foi primeiro implantado por ele em Minas Gerais, durante um governo do PSDB, e depois foi reproduzido em escala federal pelo PT.
Valério pode ser considerado uma espécie de massificador da tecnologia de corrupção nos contratos publicitários, mas não foi propriamente um inovador. Antes que seu valerioduto fosse replicado e ampliado pelos petistas, fraudes semelhantes eram cometidas em outros Estados. O desmantelamento da quadrilha do mensalão, há mais de cinco anos, também parece não ter inibido a proliferação de tais esquemas em vários níveis da administração pública.
Há quase um mês, o Ministério Público (MP) de São Paulo desbaratou em Campinas, uma das mais ricas cidades do interior paulista, uma rede de corrupção na administração municipal. Um dos principais focos das fraudes eram as licitações feitas pela Sanasa, a empresa pública de saneamento da cidade. Segundo o MP, Rosely Nassim Jorge Santos, mulher do prefeito Dr. Hélio (PDT), no cargo há dois mandatos, alguns secretários municipais e o vice-prefeito, Demétrio Vilagra (PT), definiam as empresas que venciam as licitações e cobravam uma porcentagem sobre o dinheiro que a Sanasa pagava pelos serviços prestados. O total desviado chega a R$ 615 milhões. Há indícios de que o esquema tenha enriquecido ilicitamente os envolvidos e abastecido o caixa dois de campanhas políticas.
O PT foi um dos grandes fiadores da eleição de Dr. Hélio em Campinas e compõe o governo desde seu primeiro mandato, iniciado em 2005. Tão logo os resultados da investigação do Ministério Público tornaram-se públicos, o ex-ministro José Dirceu, descrito como chefe de organização criminosa no processo do mensalão que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), correu a Campinas na tentativa de avaliar os estragos e reduzir os danos. “Lula e José Dirceu são solidários comigo”, disse Dr. Hélio, numa entrevista publicada na semana passada. O nome de Lula já havia sido citado em meio ao escândalo campineiro por causa do pedido de prisão feito pelo MP contra o empresário e pecuarista José Carlos Bumlai, amigo próximo dele. Uma testemunha ouvida pelos promotores afirmou ter participado de uma conversa em que os envolvidos na corrupção diziam que Bumlai também faria parte do esquema de pagamento de propina das obras da Sanasa. Ao ser ouvido pelo MP, Bumlai negou as acusações.
Além dos movimentos de Dirceu e das referências ao ex-presidente Lula, outros elementos apontam para as implicações nacionais do esquema de Campinas. Os promotores do Ministério Público encontraram vários indícios de que as fraudes na prefeitura campineira reproduziram o uso de uma tecnologia de desvios que já havia sido aplicada em outras sadministrações comandadas pelo PT e seus aliados. Há uma quantidade nada desprezível de ligações entre os envolvidos no esquema de Campinas com o Estado de Mato Grosso do Sul. Dr. Hélio, seu vice, Vilagra, o ex-diretor da Sanasa Luiz Aquino, delator do esquema, são todos originários de lá. Uma das ligações que mais despertaram a curiosidade dos investigadores foi a coincidência de vários personagens que têm contratos com a prefeitura de Campinas e, no passado, envolveram-se em desvios de verbas publicitárias do governo de Mato Grosso do Sul, durante os dois mandatos, entre 1999 e 2002 e entre 2007 e 2010, em que o Estado foi comandado por Zeca do PT.
Um dos focos das atenções dos investigadores é o publicitário Dudu Godoy. Uma de suas agências, a PG Comunicação, detém o contrato de publicidade da Sanasa, o centro do escândalo em Campinas. Outra de suas agências, a Quê Comunicação, trabalha para a Petrobras, onde o homem forte da área de propaganda é o sindicalista campineiro Wilson Santarosa, homem do grupo político de José Dirceu no PT. O nome de Godoy apareceu, pela primeira vez, na investigação do MP porque a sala de seu escritório foi usada por envolvidos no esquema de fraudes para partilhar propinas. Ele confirma o uso da sala, mas nega ter tido conhecimento do teor da reunião. “Cedi a sala porque se tratava de um cliente. Um cliente não precisa se explicar para pedir uma sala para fazer um reunião”, disse Godoy a ÉPOCA.
O QUE PREOCUPA O PT? José Dirceu (acima) correu até Campinas, quando o escândalo estourou. O nome de Bumlai (ao lado), amigo de Lula, foi citado numa conversa como um participante do esquema
Em 1999, Godoy, depois de ter integrado no ano anterior o núcleo de marketing da campanha presidencial de Lula, foi escolhido pelo comando nacional do PT para chefiar a Secretaria de Comunicação do recém-eleito governador José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul. Além de Godoy, o hoje casal ministerial Paulo Bernardo Silva e Gleisi Hoffmann também foi apadrinhado pela cúpula partidária e se mudou do Paraná para Mato Grosso do Sul para ocupar cargos de relevância na nova administração petista. Paulo Bernardo foi nomeado para cuidar das finanças do Estado na Secretaria da Fazenda. Nomeada para a chefia de uma secretaria especial, Gleisi foi encarregada de promover um ajuste com cortes de despesas e da folha salarial.
O trio de forasteiros compôs com o secretário de Governo, Vander Loubet – homem de confiança e sobrinho de Zeca do PT –, o núcleo mais influente da administração sul-mato-grossense. Uma das primeiras ações dessa turma foi a contratação de cinco empresas para cuidar da publicidade do governo. Os problemas começaram logo na concorrência. Segundo o Ministério Público Federal, uma norma básica das licitações foi descumprida: não houve parecer jurídico para respaldar a assinatura dos contratos. De acordo com cinco inquéritos que tramitam no STF, esses contratos serviram para alimentar um esquema de corrupção. Funcionava assim: as agências de publicidade apresentavam orçamentos falsos para serviços que não seriam prestados. Depois, notas fiscais frias eram apresentadas para a cobrança deles.
Em 22 volumes, com milhares de páginas de documentos apreendidos, movimentação bancária e registro fiscal dos envolvidos, os inquéritos no Supremo mostram que o esquema vigorou nos dois mandatos de Zeca do PT. Os investigadores estimam que, só entre 2007 e 2010, mais de R$ 30 milhões foram desviados. Por causa dessa farra na publicidade, o ex-governador Zeca do PT responde a uma Ação Civil Pública na Justiça de Mato Grosso do Sul. Nos inquéritos que estão no Supremo, o principal acusado é o hoje deputado federal Vander Loubet (PT-MS). Foi na Secretaria de Governo, chefiada por Loubet, que, em 1999, teria nascido o esquema. Por decisão judicial, foram quebrados seus sigilos bancário e fiscal.
Durante as investigações, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo uma série de diligências a ser feitas pela Polícia Federal. Em novembro de 2009, o relator do caso no Supremo, ministro Marco Aurélio Mello, determinou à PF que cumprisse as diligências e tomasse depoimentos de cerca de 20 pessoas – entre elas, o atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e o publicitário Dudu Godoy. Um ano depois, a PF ainda não cumprira a missão, apesar de o ministro Marco Aurélio ter reiterado as ordens. Irritado com a lentidão, Marco Aurélio encaminhou ofício ao presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, pedindo providências. Peluso deu um despacho em que exige que a Polícia Federal “cumpra as diligências com a máxima urgência”. O ofício também foi enviado pelo Supremo à Corregedoria-Geral da PF para apurar as razões do atraso. Procurado por ÉPOCA, o ministro Paulo Bernardo não quis falar sobre o assunto.
Um dos inquéritos que correm no Supremo relaciona-se à contratação pelo governo de Zeca do PT da empresa Núcleo de Desenvolvimento Estratégico e Comunicação Ltda., conhecida como NDEC. A NDEC é acusada de abastecer o propinoduto petista com o dinheiro recebido num contrato com o governo estadual que sofreu nada menos que 12 reajustes de preço. A NDEC é uma produtora de vídeo, com sede em Campo Grande, que fez o s caminho inverso ao percorrido por Dudu Godoy e o casal Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. Eles saíram de Mato Grosso do Sul e se expandiram pelo Brasil, quase sempre se valendo de seus bons contatos no PT. Depois do contrato com o governo de Mato Grosso do Sul, a NDEC entrou nos mercados de São Paulo e do Paraná. Participou da campanha da petista Marta Suplicy para a prefeitura de São Paulo, em 2000. Depois da vitória de Marta, a NDEC obteve um contrato para operar a TV São Paulo, a emissora da Câmara Municipal paulistana. Segundo uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o endereço da NDEC registrado no contrato com a Câmara de Vereadores era o mesmo de uma empresa-fantasma investigada no escândalo sobre a máfia do lixo em São Paulo.
Em 2004, os donos da NDEC, Giovani Favieri e Armando Peralta, foram os responsáveis pela área de comunicação na campanha eleitoral de 2004 em que Dr. Hélio conquistou, pela primeira vez, a prefeitura de Campinas. Envolveram-se em várias transações suspeitas. A primeira ocorreu na prestação de contas da campanha. A NDEC foi usada para pagar os serviços do publicitário João Santana, que se tornaria o marqueteiro oficial do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff. A operação chamou a atenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Fazenda. Segundo o Coaf, o movimento na conta bancária na empresa de Peralta e Favieri foi incompatível com sua capacidade econômico-financeira. Passaram por ali depósitos no valor de R$ 4,5 milhões, 77% desse dinheiro sacado em espécie na boca do caixa. A Polícia Federal abriu uma investigação para apurar as diferenças de valores entre os pagamentos que a NDEC diz ter feito à empresa de João Santana e os valores que a empresa de Santana declarou ter recebido à Receita Federal.
TESTEMUNHA
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, era secretário em Mato Grosso do Sul por ocasião das fraudes e vai ser ouvido nas investigações
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, era secretário em Mato Grosso do Sul por ocasião das fraudes e vai ser ouvido nas investigações
De acordo com um dirigente nacional do PT, os sócios da NDEC, Favieri e Peralta, foram encarregados de arrecadar recursos para financiar a campanha de Dr. Hélio no segundo turno da eleição em Campinas. Segundo essa versão, a dupla procurava empresários em busca de doações que teriam sido previamente acertadas por José Dirceu, então ministro da Casa Civil, e pelo pecuarista Bumlai, o amigo de Lula. Em 2005, Peralta e Favieri se envolveram em outro escândalo. De acordo com promotores públicos de Mauá, São Paulo, o deputado federal José Mentor (PT-SP) e outros petistas teriam cobrado propina de um grupo empresarial interessado em construir um shopping center na cidade. Para dar ares de legalidade, teriam sido emitidas notas fiscais frias em nome da empresa Flash Comunicações Ltda., também de Mato Grosso do Sul. Segundo escreveram os promotores na denúncia, a Flash pertencia a Peralta e Favieri, mas foi registrada em nome de laranjas. No recente escândalo em Campinas, o nome de Favieri, por enquanto, apareceu apenas indiretamente. Ele é primo de Ricardo Cândia, ex-prefeito de Corumbá, Mato Grosso do Sul, preso agora pela polícia quando exercia o cargo de diretor de Planejamento e Urbanismo de Campinas.
A investigação dos promotores em Campinas vai se concentrar agora em esclarecer a relação dos contratos de publicidade da prefeitura com possíveis desvios de verbas públicas e as fraudes já constatadas em Mato Grosso do Sul.
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