quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pinheirinho já foi palco de chacina na década de 1960



Pinheirinho já foi palco de chacina na década de 1960, dizem historiadores

Família de alemães vivia no local na época e foi morta por criminosos.
Terreno passa por ação de reintegração de posse desde domingo.

Rafael Sampaio e Juliana CardilliDo G1 SP

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Terreno do Pinheirinho, em São José dos Campos, que passa por reintegração de posse desde domingo (22) (Foto: Juliana Cardilli/G1)Área do Pinheirinho, em São José dos Campos, que passa por reintegração de posse desde domingo (22) (Foto: Juliana Cardilli/G1)
A região do Pinheirinho, em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, foi palco de uma chacina na década de 1960, segundo historiadores e urbanistas especializados na história da cidade ouvidos pelo G1. Criminosos assassinaram uma família de alemães que vivia na mesma área que é alvo de uma reintegração de posse realizada pela Polícia Militar a mando da Justiça desde domingo (22).
O crime ocorreu em 1969, de acordo com Valéria Zanetti de Almeida, professora de história da Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Ela afirma ter pesquisado e ouvido depoimentos de moradores antigos da área para chegar a essa conclusão. "As fontes sempre dão a mesma informação: a região era propriedade dos alemães, eles moravam sozinhos e, à noite, foram assaltados. Não sei quem sobrou da família, mas foi uma chacina", conta.
Tudo indica que o crime ocorreu por um conflito de terra, afirma a historiadora, que coordena o Núcleo de Pesquisa Pró-Memória de São José dos Campos, ligado à Univap. "Estamos para levantar essa história, vai ser uma das nossas atividades em 2012", diz Valéria.
Pinheirinho mapa (Foto: Arte/G1)
A ideia da historiadora é que o núcleo recolha informações sobre os bairros de São José dos Campos ao longo do ano, incluindo o Pinheirinho. "Com essa desocupação, o bairro nos interessa mais do que nunca."
Os documentos criminais da época estão no Arquivo Público da cidade e foram encaminhados para Jundiaí, também no interior paulista, segundo Valéria. Ela não soube explicar a razão da transferência dos papéis. O núcleo, diz ela, quer ter acesso aos documentos e digitalizá-los, para colocá-los na internet. Reportagens do acervo de jornais da época, com dados sobre a chacina, estão circulando em redes sociais.
Os integrantes da família alemã não deixaram descendentes, diz o urbanista Paulo Romano, também professor da Univap. "Dizem que eram seis pessoas. Ninguém se interessou por esse assunto até que surgisse a história da reintegração."
Como não havia descendentes, o terreno foi incorporado pelo governo do estado de São Paulo na época. No entanto, o governador Paulo Egydio Martins pediu a desapropriação da terra, afirma o urbanista. "A parte a ser apurada é o que aconteceu depois desse episódio", diz.
A família de alemães vivia isolada do resto da cidade, segundo a historiadora Maria Aparecida Papali. "A história é famosa em São José dos Campos. Mas não se descobriu os assassinos ou o assassino", afirma. "Essa é a versão mais certa e mais aceita da história, embora não tenhamos um estudo aprofundado sobre o caso."
Uma grande área que engloba o terreno do Pinheirinho era chamada de Campo dos Alemães no passado, possivelmente devido à imigração, segundo Maria Aparecida. "Agora existe o bairro Campo dos Alemães, que faz divisa com a área ocupada", ressalta a historiadora.
O urbanista recorda o princípio da ocupação do terreno do Pinheirinho. "A primeira reintegração de posse que se tem notícia no local é de 2006, sendo que a ocupação começou em 2004. Se pensarmos que as pessoas foram retiradas só em 2012, já deveria ter dado tempo de se construir casas para todos", critica.
Tanto Romano quanto Papali levantam suspeitas sobre a venda do terreno para o empresário Naji Nahas. "Uma pessoa comprou a área do governo e depois vendeu para o empresário. E hoje ele é considerado vítima no processo", pondera o urbanista.
Vizinhos
Os atuais vizinhos do terreno costumavam usar a área como uma espécie de quintal ou parque antes da chegada das cerca de 1,5 mil famílias há oito anos. Quem vive na região há mais tempo conta que o terreno, que era cercado por arames, tinha algumas porteiras, sendo de fácil acesso. No local havia cabeças de gado pastando, bicas d’água eram usadas principalmente pelas crianças e adolescentes e era possível avistar muitas abóboras, colhidas pelos vizinhos.
A aposentada Maria do Carmo, de 67 anos, mora em uma rua próxima à Estrada do Imperador, uma das que delimitam o Pinheirinho, e relembra como era o espaço antes da chegada dos agora ex-moradores, retirados pela Polícia Militar durante cumprimento de reintegração de posse. “Era um matagal danado, não tinha nada. Era cercado com arame, mas dava para entrar. Lá dava muita abóbora, todo mundo ia buscar”, conta.
A bica d’água é muito lembrada pelos mais novos, que ainda eram crianças na época. “Formava um laguinho e todo mundo ia brincar, tomar banho”, afirma a recepcionista Ane Tainã, de 21 anos. “A gente ia catar içá, ervas, lenha, nosso passeio era ali”, diz a autônoma Márcia Regina, de 42 anos.
Os moradores contam que a invasão do terreno aconteceu de repente. “Uma turma invadiu um outro terreno, mas foram tirados de lá. Em uma noite, vieram para cá. Aí começaram a marcar o terreno, mais gente veio, foi crescendo e virou o que tinha agora”, conta Márcia. “Como tinha muita gente, não tinha mais como irmos na bica passear. Ninguém mandava a gente não entrar, mas paramos de ir.”
Todos os moradores afirmam que, apesar de terem perdido o espaço que era utilizado como lazer, pouco mudou na rotina com a chegada dos novos moradores. “Eles não perturbavam ninguém, ficavam na deles e nós na nossa. Não mudou nada. Só movimentou mais as ruas, eles saíam, vinham comprar nos comércios daqui. Lá tinha muita gente boa”, diz Márcia.
A aposentada Maria do Carmo relembra que uma de suas filhas chegou a tentar morar no Pinheirinho, mas desistiu após alguns dias. “Falaram que era bom, ela pensava que ia ser certinho, com loteamento. Mas acabou ficando dois dias. Falei para ela: ‘você tem onde ficar aqui, não precisa ir para lá’”, conta.
A Prefeitura de São José dos Campos confirma que o terreno era cercado por arame farpado e que não havia nada em funcionamento nele. Como a área era particular e objeto de reintegração de posse desde 2004, nenhuma infraestrutura foi construída pela Prefeitura no local.

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