sábado, 29 de outubro de 2011

PAPA BENTO XVI, O PAPA MODERNINHO

Tradição e modernidade

O armário do Papa Bento XVI

Publicada em 29/10/2011 às 10h33m
Lola Galán - Do El País
Papa em Assisi, na Itália, no dia 26 - Reuters
RIO - Desde o momento em que foi proclamado Papa, em 19 de abril de 2005, três dias depois de completar 78 anos, Joseph Ratzinger deixou claro que no terreno estético não haveria um papado continuísta. Enquanto seu antecessor, o polonês Karol Wojtyla, dera provas, ao longo de seus quase 27 anos de reinado, de desinteresse total pelo corte de suas casulas (vestimenta que se põe sobre a estola), sempre comuns, Ratzinger cuida até do último detalhes de sua indumentária eclesiástica e litúrgica. Tanto que cada um de seus trajes é uma declaração de intenções, uma manifestação de suas preferências pelos ritos pré-conciliares.
Em seu primeiro Natal com sumo pontífice, apareceu em público com o camauro, uma espécie de gorro de veludo escarlate forrado com arminho, que não havia sido visto no Vaticano ao longo de todo o século XX, com uma única exceção devido ao uso esporádico por João XXIII. O pintor Rafael imortalizou o Papa Julio II, que reinou no início do século XVI, usando um camauro, embora Bento XVI use uma versão atualizada.
Os que pensaram que era um golpe isolado de ousadia papal ficaram decepcionados ao vê-lo pouco depois, impecável, com outra peça de museu: um capuz de veludo vermelho, também forrada com arminho, sobre uma roquete (espécie de camisola curta) com rendas antigas. Em setembro de 2006 usou para se proteger do sol um saturno, chapéu vermelho de feltro, bordado com motivos vegetais em fio dourado, que Wojtyla usou apenas uma vez em suas mais de duas décadas de papado.
Ratzinger está convencido de que la magnificência serve para se comunicar com o mistério, com a divindade. Se para seu antecessor o importante era a quantidade - congregar milhões de fiéis em cada viagem apostólica - para Bento XVI, como disse Guido Marini, responsável pelas cerimônias papais, "o importante é a beleza e a dignidade, componentes essenciais de toda celebração litúrgica".
Antes do Papado, vida em Roma, capital da beleza
Ratzinger, que antes de ser Papa foi durante 25 anos prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício), em Roma, se deixou contagiar talvez pela cultura de um povo que adora a beleza, e onde o gosto pelas roupas alcança também as filas do clero. Para entender as enormes necessidades indumentárias do QG da Igreja, há vários negócios de moda religiosa em torno do Vaticano, cada um com seus sites, onde se oferecem catálogos de temporada com casulas simples, ou de estilo antigo, com detalhes em ouro.
Uma das primeiras decisões de Ratzinger foi mudar de alfaiate. Ou melhor, manter quem havia confeccionado suas roupas de cardeal, Michele Ombroso, da empresa Euroclero, no lugar de seguir a tradição e confiar seu armário a Annibale Gammarelli, a alfaiataria que faz as roupas dos papas desde 1973, com a única exceção de Pio XII, que se manteve fiel a seu alfaiate. Outras fontes asseguram que a firma escolhida por Bento XVI foi a de Raniero Mancinelli.
- Desde o início, nós recebemos pedidos do Papa - confirma ao telefone Raniero, o dono do negócio. - Não acredito que Euroclero seja a fornecedora de Sua Santidade porque já não está (lá) o antigo alfaiate, e tampouco Gammarelli.
Na Euroclero, ninguém atende, enquanto a Gammarelli afirma há anos que sua condição de alfaiate papal não mudou. O Vaticano não esclarece as dúvidas, mas em 2008, diante dos insistentes rumores de que os sapatos vermelhos que Bento XVI usava eram da Prada, (**) a Santa Sé afirmou que o sapateiro papa era Adriano Stefanelli, da empresa italiana Novara.
Papamóvel da Mercedes e iPod personalizado
Mas nem sempre Ratzinger recorre a roupa nova. Muitas vezes lança mão do guarda-roupa papal, repleto de joias de seus antecessores, embora não tenha se atrevido, até o momento, a usar nenhuma das tiaras pontíficas usadas na coroação dos papas. A tiara, coroa de três tiras, representa os três títulos do líder católico: pai dos reis, reitor do mundo e vigário de Cristo. O último pontífice que usou o aparato foi Paulo VI, para sua cerimônia de coroação, em 1963. Bento XVI prefere a mitra, mas, por via das dúvidas, incorporou a tiara a seu novo escudo papal.
Bento XVI em Assisi, na Itália, no dia 27 - AP
Sua intenção, segundo seus colaboradores, é estabelecer uma ligação clara entre a tradição e a Igreja de hoje. Por isso, o Papa liberalizou a liturgia em 2007, com um motu proprio (documento que emana da própria autoridade do Papa) que abria caminho à missa em latim e de costas para os fiéis. Em 2008, suspendeu a excomunhão dos bispos lefebvristas, fiéis ao rito pré-conciliar.
Mas Ratzinger não vive de costas para a modernidade. Continua usando um papamóvel blindado, presente da Mercedes - para inveja da BMW ou da Volkswagen, que ofereceram seus modelos. E a Appel criou um iPod especial para ele em 2006, presente dos funcionários da Radio Vaticano, no seu 75º aniversário. Nele, só se pode escutar os programas da emissora e, diante do gosto de Ratzinger, talvez algo de gregoriano.

Sapatos papais vermelhos, em couro: manufacturados pelo sapateiro papal Adriano Stefanelli, estabelecido em Novara, usados por S. S. o Papa Bento XVI -Colecção Philippi
(**) Estes mdêlos de sapatos aumentam em até 7 cm a estatura de quem usa

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