sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

PINHEIRINHO: UMA CIDADE EM PÉ DE GUERRA



13.11.2009 00h.10
Uma cidade em pé de guerra                                                




Se o prefeito Eduardo Cury (PSDB) insistir em derrubar as casas do Pinheirinho vai promover um banho de sangue em São José dos Campos, SP. Acassio Costa (*)

com Ricardo Faria
Waldir Ramos, o Marrom, lider dos Sem Teto do Pinheirinho de São José Dos Campos e o prefeito Eduardo Cury, Fotos Ricardo Faria, 11.11.09No último dia 3, a 1ª Turma de Direito Público do STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou por unanimidade o recurso especial impetrado pelos advogados das famílias de sem-teto, do Pinheirinho, contra a ação demolitória do governo de Eduardo Cury (PSDB). O clima de revolta e insegurança é enorme depois que a Justiça autorizou a Prefeitura de São José dos Campos demolir as 1.840 moradias dos sem-teto do Pinheirinho, na zona sul da cidade.Com mais de dez mil pessoas jogadas na rua se pode esperar tudo, inclusive derramamento de sangue, já que os moradores afirmam que só sairão de suas casas mortos.
Desde muito jovem nos movimentos sociais, o paranaense de Apucarana, há muitos anos em São José dos Campos, continua o menino de coração grande, o sonhador que não desiste da luta por igualdade e justiça social. - “Estive com os Sem Terra por 15 anos. Quando o Zé Rainha foi preso, fui para o Pontal do Paranapanema e dirigi o Movimento com muito orgulho, aprendi muito. Participei da primeira ocupação urbana do Brasil, em Guarulhos, o Anita Garibaldi, mostrando que o trabalho social é possível. Só o fato da gente ver aquela criança que estava passando fome, com a barriguinha cheia com os seus cadernos, estudando e brincando, é uma vitória muito grande. Nesse país, os políticos enriquecem a custa do dinheiro do trabalhador, em São José não é diferente.”
“Sou diretor do Sindicato dos Metalúrgicos, da direção nacional do Conlutas e da coordenação do Pinheirinho. Sou ainda funcionário da Tecsat, afastado; - Embora tenha ganho todos os processos, a empresa alega não ter dinheiro para me pagar, e vamos tocando o barco.”
Waldir Ramos, o Marrom, lider dos Sem Teto do Pinheirinho de São José Dos Campos, Foto Ricardo Faria, 11.11.09Assim é Waldir Martins, o conhecido Marrom, um dos lideres do Movimento dos Sem Terra que ocupa uma área de 57 alqueires, o Pinheirinho. Ele sabe direitinho como o solo da cidade foi parcelado para favorecer a especulação, as grilagens e os grileiros e os trambiques apoiados por políticos corruptos. Marrom que falou conosco no último dia 11:
Como começou o Pinheirinho? - Marrom – Em dezembro de 2003, um grupo de moradores do Campo dos Alemães, liderados pelo então vereador Santos Neves, ocupou umas casinhas do CDHU, no Parque Dom Pedro. Neves não conseguiu a concordância do prefeito da época, Emanuel Fernandes, para que as pessoas permanecessem nas casas e abandonou o pessoal. Eu estava de férias, mas atendi o chamado e vim para organizar o grupo de setenta pessoas que logo aumentou para 150.
Veio a ordem de despejo, resolvemos não enfrentar e procurar outro local. No dia do despejo, o prefeito Emanuel, junto com a Claude Mary, prometeu que se o pessoal desistisse da minha liderança, ele daria casa e trabalho para as 40 famílias e eles aceitaram.
Foi quando o nosso pessoal resolveu se instalar no Campão dos Alemães, a 500 metros dali. A prefeitura avisou que ali seria construído um hospital da zona sul, que não poderíamos ocupar, o terreno continua lá sem nada.
Já éramos 340 famílias e, em fevereiro de 2004, numa madrugada de Carnaval, fizemos uma acordo com a prefeitura: não iríamos invadir nenhum terreno público e eles disseram que poderíamos ocupar onde quiséssemos, que não iriam fazer nada contra nós, conversamos inclusive com o Eduardo Cury que era secretário de governo.
No mesmo fevereiro, ocupamos o terreno do Pinheirinho, abandonado há 32 anos. Segundo soubemos, a área pertencia à uma família alemã que havia sido cruelmente assassinada, sem deixar herdeiros e que o Comendador Bentinho havia se apossado dela e passado 57 alqueires para o mega especulador Naji Nahas, que colocou o terreno em nome da sua falida empresa a Selecta, com sede no Panamá.
O Naji nunca pagou impostos, nem rural nem o IPTU à prefeitura. No mesmo ano em que nos instalamos, a prefeitura pediu a demolição dos barracos na Justiça, ao mesmo tempo a Selecta pediu a desocupação do terreno.
Mas quem deveria entrar na Justiça seria quem se dizia proprietário, e não a Prefeitura – Mas sempre existiu um acordo, a Prefeitura faria a desocupação e entregaria o terreno limpinho, e tem mais, a Selecta já devia perto de R$ 6,8 milhões à municipalidade, hoje são mais de R$ 11 milhões.
Waldir Ramos, o Marrom, lider dos Sem Teto do Pinheirinho de São José Dos Campos, Foto Ricardo Faria, 11.11.09Como funciona o atendimento jurídico da Prefeitura à Selecta? – Cada vez que os advogados da empresa apelam, os advogados da prefeitura faturam alto, recebem honorários, independente de seus salários na Prefeitura. Mesmo assim, conseguimos derrubar as liminares, aqui e em São Paulo, através dos nossos advogados, o Toninho Ferreira, o Neto e o Marcelo.
E como ficou? - O processo envolvendo as ações de desocupação e demolição foi para o Tribunal de Justiça, em Brasília. Existem mais dois processos, um da Bandeirantes Energia e outro da Sabesp, alegam que estávamos roubando luz e água; - Conseguimos uma liminar onde o juiz afirmou que água e luz são bens essenciais às pessoas, que as empresas não poderiam cortar o fornecimento.
Como agiu a Câmara Municipal? – A pedido do Emanuel Fernandes, o vereador Walter Hayashi entrou com um projeto de lei para que os moradores do Pinheirinho não mais recebessem nenhum benefício do Governo Federal, Estadual e Municipal, do tipo Leve Leite, Vale Gás, Bolsa Família, Bolsa Escola, atendimento nos postinhos etc. O projeto foi aprovado no começo de 2005. Ainda colocaram uma carência de seis meses, nesse prazo os moradores ficavam sujeitos à tal lei, mesmo que saíssem do Pinheirinho, não poderiam participar de nenhum programa habitacional em São José.
Como está hoje o Pinheirinho? – Estamos bem organizados com auxílio do pessoal da USP, da Poli, da Faculdade Federal de Juiz de Fora, da Federal do Rio de Janeiro, conversamos direto com a Unip e a Unitau. Acabamos de fundar a Frente Nacional de Resistência Urbana com 40 movimentos em 14 estados. Continuamos buscando experiências.
Waldir Ramos, o Marrom, lider dos Sem Teto do Pinheirinho de São José Dos Campos, Foto Ricardo Faria, 11.11.09Vocês tem zoneamento e plano diretor? – Temos tudo isso, funcionamos através de setores que realizam reuniões semanais com os grupos responsáveis pela educação, saúde, mulher, negros, segurança, envolvendo mais de 300 ativistas. Tudo que acontece no mundo o Pinheirinho toma conhecimento pela Internet. Temos escola de artesanato, de capoeira, time de futebol masculino e feminino, as atividades são muitas. Construímos um barracão muito grande para duas mil pessoas, cada setor tem sua sede com mesas cadeiras, o data show foi doado pela Faculdade Anchieta.
Quantas pessoas estão no Pinheirinho? – Temos 1.843 famílias e cerca de 9.600 pessoas, entre elas, mais de 4 mil são crianças de zero a doze anos. O ingresso no Pinheirinho está congelado. Há mais de um ano não entra mais ninguém, apesar da inscrição de mais de 2.400 famílias. As pessoas preferem ir para o Pinheirinho ao invés dos programas da Prefeitura.
Vocês tem escolas? – Temos, e outra coisa, quem criticava hoje nos apóia, o Campo dos Alemães, o Dom Pedro, Interlagos, Morumbi, Parque Industrial e outros, o apoio dos moradores e dos comerciantes da região é muito grande.
Como funciona o sistema viário do Pinheirinho? – Nenhum bairro de São José dos Campos tem arruamento como o nosso, feito com orientação de professores universitários. Uma demonstração para o país que é possível realizar o social com muito pouco dinheiro. O prefeito Cury gastou R$ 40 mil pra fazer uma casa de bonecas, nós fizemos um barracão de 200 metros quadrados com R$ 4,8 mil com auxílio da população, sem dinheiro público. As nossa lixeiras e os demais equipamentos são feitos por nós. É oferecido, mas não pegamos dinheiro de ongs nem de ninguém.
E o recolhimento do lixo, o esgoto? – Os moradores levam até a avenida onde é recolhido pelos caminhões da prefeitura. Não temos esgoto a céu aberto, cada casa tem sua fossa, desde o começo.
E a preservação ambiental? – Preservamos todas as nascentes e os eco sistemas, as matas ciliares. Somos um acampamento diferente que chamamos de ruro-urbano, pois, alem das 1600 famílias no platô urbano, temos mais 260 famílias no rural, cada um com sua chácara plantando sua própria comida, colhendo, vendendo, criando suas galinhas e outros animais.
Waldir Ramos, o Marrom, lider dos Sem Teto do Pinheirinho de São José Dos Campos, Foto Ricardo Faria, 11.11.09Então é de causar inveja? – Exatamente, o pior são os construtores da cidade que não suportam ver que, numa ocupação de sem terras, ninguém tem menos de 250 metros quadrados. O meio lote é coisa de empresário maluco, não há como morar com a família em meio lote num país do tamanho do Brasil, com terras sobrando. Queria ver o prefeito ou os vereadores que apóiam essa lei construírem e morarem em meio lote. Pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Todos os moradores tem lotes iguais de 250 metros quadrados? – Nós achamos que os terrenos tem que ter no mínimo 250 metros, uma família em cada terreno. Se os alemães, que eram os donos morreram sem deixar herdeiros, quem foi que vendeu a área. Foram no céu ou no inferno comprar e passar a escritura? Essa terra foi grilada,
Esquema criminoso do grilo oficializado? - Em São José existem várias áreas na mesma situação, o Jardim União foi grilado e vendido, o Morumbi também, o Interlagos, o Campo dos Alemães, o Parque Industrial; - Onde está o Vale Desconto, era da Alpargatas, ela recebeu o terreno por doação e vendeu para a Cia Satélite que ganhou rios de dinheiro. Onde hoje é o Carrefour era um terreno doado para a Ford depois foi loteado e fizeram o jardim Aquarius, para os que se dizem ricos. No terreno do João Verdi que foi doado para Avibrás está o loteamento dos japoneses.
Para alguns tudo – Quando a pessoa tem dinheiro pode fazer casa em qualquer lugar, ninguém fala nada. Basta descer para São Sebastião ou Ubatuba e constatar as mansões construídas nas encostas, nas áreas de preservação. Mas, quando um pobre faz um barraco, o prefeito quer derrubar imediatamente. Foi o que aconteceu em Campos do Jordão onde o prefeito tentou despejar todo mundo do morro. Nós estivemos lá.
O prefeito Eduardo Cury – Foi uma covardia, na época das eleições o Cury me afirmou que não mexeria mais com o Pinheirinho. Imaginei que ele tiraria os processos e isso não aconteceu. Um cara que fala uma coisa e faz outra não merece confiança, basta ver o que ele arrumou no Morro do Regaço.
E a tal empresa que os vereadores trouxeram pra resolver a situação do Pinheirinho? – O Guilherme, que é advogado do São José Esporte Clube, junto com o vereador Robertinho da Padaria, trouxeram essa empresa Terra Nova, do Paraná. Fomos pesquisar e constatamos que era mais uma operação comercial onde rolaria muito dinheiro, quarenta por cento pra empresa. Ou seja, queriam ganhar uma grana violenta nas nossas costas. Eles marcaram uma reunião na Câmara Municipal e nós não fomos.
E os terrenos na volta do Pinheirinho? – Em cima é do falecido Kogima, o lado de baixo é do Bentinho. Na verdade toda a área da zona sul é muito visada pela especulação imobiliária, nós continuamos denunciando.
Qual é a solução? – Basta desapropriar, ou adjudicar o terreno que tem um débito de R$ 11 milhões com a Prefeitura, nós estamos usando somente a metade a outra o prefeito pode fazer o que quiser. Mas ele fica só num jogo de empurra, dificultando tudo; - Em Guarulhos existe um acampamento com 3.200 famílias com água luz e toda infra-estrutura colocada pelo prefeito da cidade.
A ordem para demolir – Foi estranho e cabe recurso. O Direito é algo complicado nesse país onde muitas vezes se julga com o bolso. Nós recebemos a notificação na quinta feira, na sexta feira foi o dia do funcionário público, segunda feira foi o feriado de finados. Não houve tempo hábil para ir e falar em Brasília, algo orquestrado.
Como é que vai ficar? – Basta o prefeito retirar as ações e sentamos para negociar. Se a gente não conseguir ganhar na Justiça, uma coisa eu lhe digo: do Pinheirinho ninguém vai sair. O que pode acontecer é uma carnificina. Será que o prefeito vai pagar para ver? - Nós somos nascidos e criados na luta, acostumados a brigar. Se o Cury insistir em nos tirar de lá, vai haver muita morte. Para mim e para os moradores permanecer no Pinheirinho é uma questão de honra, de vida ou morte.
Como se pode visitar o Pinheirinho? – O Pinheirinho é aberto diariamente para quem quiser nos visitar. Alunos de faculdades lá fizeram seus trabalhos de mestrado e defenderam teses sobre nós. Uma equipe do Valeparaibano produziu um curta metragem sobre nós e apresentou na Espanha onde foi premiado em segundo lugar. Todas as semanas tem alunos que nos visitam. Delegações de vários países como Romênia, Itália, França, Canadá, Japão e vários países da América do Sul estiveram no Pinheirinho. Eles mesmo afirmam que o Pinheirinho é um dos maiores e mais bem organizados acampamentos do mundo, e isso é motivo de muito orgulho para nós.
(*) Acassio Costa é advogado acassio@vejosaojose.com.br

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