domingo, 1 de janeiro de 2012

BANDIDOS PORTUGUESES



Crime à portuguesa. As melhores histórias de 2011

Por Rosa Ramos, publicado em 1 Jan 2012 - 03:10 | Actualizado há 10 horas 20 minutos



A perseguição do ano. Daniel, o condutor alucinado
Uma fuga no IP8 durou mais de 130 quilómetros, com o condutor a fazer todo o tipo de manobras perigosas: passou sinais vermelhos, ignorou dezenas de sinais de trânsito, pisou traços contínuos, conduziu em contramão e em sentido contrário em várias rotundas. Tudo para fugir aos militares da GNR. A perseguição à americana só terminou quando o carro do homem, Daniel, 41 anos, ficou atolado em terra num caminho de terra batida. Assim que saiu da viatura, o homem lá explicou porque fugira à brigada: “Estou completamente alucinado. Os guardas pareceram-me bichos e senti que tinha de lhes fugir para não ser apanhado.” Durante a fuga, e enquanto fazia as manobras perigosas, Daniel entreteve-se ainda a atirar objectos pela janela para atingir os militares e a fazer-lhes gestos obscenos. Posteriormente interrogado, confessou também que o carro da GNR lhe parecera “um óvni”. Apesar das estranhas explicações, o homem soprou no balão e não acusou nem uma gota de álcool. Mas o condutor alucinado viria a confessar que fez uma mistura de drogas, entre as quais cocaína. Foi transportado para o hospital de Beja e pelo caminho a GNR ainda lhe encontrou duas facas. A perseguição começou porque abasteceu numa bomba e se esqueceu de pagar.
O ladrão da humidade. Olá, a sua casa tem infiltrações
Desde Abril e num espaço de poucos meses, atacou em mais de 40 casas. O ladrão da humidade – como ficou conhecido nos jornais – usava sempre o mesmo esquema. Batia à porta e explicava aos moradores
que precisava de verificar problemas de humidade e relacionados com infiltrações. Vestia-se a rigor e, segundo as vítimas, usava palavras caras. Assim que se achava dentro das habitações, arranjava maneira de ficar sozinho e recolhia os objectos valiosos que estivessem mais à mão. Depois dizia que tinha de sair para ir buscar tinta e nunca mais voltava. No total, terá conseguido angariar mais de 30 mil euros. O ladrão, de 41 anos e com antecedentes criminais, vivia numa mansão de luxo. Segundo a PSP, que o deteve, “apresentava-se de forma tão convincente que as vítimas nunca lhe pediam  identificação”. No momento de roubar, tinha preferência por portáteis, telemóveis, dinheiro e peças de ouro. Fazia uma vida faustosa: frequentava os melhores e mais caros restaurantes de Lisboa – apesar de, para efeitos legais, estar desempregado. O ladrão da humidade está a aguardar julgamento. Estava em liberdade condicional desde 2008, depois de ter cumprido pena por vários roubos. 
Apanhado três vezes no mesmo dia. Um azar nunca vem só
É como diz o ditado: um azar nunca vem só. Um homem de 31 anos foi responder ao tribunal da Figueira da Foz depois de ser apanhado a conduzir sem carta. Foi absolvido pelo juiz porque jurou que a acusação era falsa: nunca tinha pegado num carro na vida, era um primo quem o costumava transportar. O tribunal acreditou nele e mandou-o embora. À saída do edifício, o homem chamou um táxi, a suspirar de alívio. Pediu ao taxista que o deixasse no seu carro, que tinha deixado estacionado na outra ponta da cidade. Mas quando chegou ao local o homem deu de caras com a PSP: tinha deixado o carro mal estacionado. Vai daí, foi novamente conduzido ao tribunal. A seguir à segunda audiência, voltou a pegar no carro, mas foi mandado parar pela polícia à saída da cidade.  Além de não ter carta e de ter mentido ao juiz, o carro do homem não tinha nem seguro nem inspecção. E mais: havia um pedido de apreensão contra ele. No último julga- mento – o terceiro no mesmo dia –, o homem, desempre- gado, e que anda de cadeira de rodas, confessou tudo. Explicou que comprou o carro usado e que a viatura foi adaptada “por um mecânico amigo” à condução por defi- ciente motor em Outubro de 2010. A leitura da sentença foi agendada para 20 de Janeiro.
O ladrão indignado. “O homem da foto não sou eu”
No dia 7 de Setembro, um homem vestido de escuro, mochila às costas, entrou numa farmácia e dirigiu-se ao balcão com um sorriso de orelha a orelha. Cumprimentou educadamente a funcionária e pediu-lhe uma embalagem de Guronsan. Quando a farmacêutica se virou para ir buscar o medicamento para a ressaca, o simpático ladrão apontou-lhe uma arma e exigiu o dinheiro da caixa (já se sabe que os dias de ressaca são tramados em matéria de humor). Antes de sair, ainda deixou uma recomendação à mulher: “Espere cinco minutos e a seguir pode chamar a polícia.” Dias depois, o “Correio da Manhã” divulgava as imagens captadas pelo sistema de videovigilância da farmácia. Vendo-se no jornal, o ladrão ficou indignadíssimo. Com o jornal debaixo do braço, dirigiu-se voluntariamente às instalações da Polícia Judiciária. Revoltado, explicou aos investigadores que parecia ele nas fotografias, mas que na realidade não era. Podia até haver semelhanças no rosto, mas não era ele o autor do crime. Logicamente, que já não o deixaram sair das instalações da PJ: foi detido e recolheu aos calabouços. Mais tarde, o homem veio a confessar a autoria de outros assaltos entre Setembro e Outubro. Assaltos que até tinham sido bem sucedidos.  
Assalto a banco. O ladrãopescador não pescou nada
Foi detido pela GNR em flagrante. Um homem vestido de pescador entrou num banco no centro de Samora Correia (concelho de Benavente), fez um disparo para o ar – em jeito de intimidação, só assim para começar – e meteu o dinheiro que os funcionários lhe deram dentro de um saco. Depois pôs-se a andar. O ladrão pescador, de 37 anos, entrou na dependência bancária com um gorro na cabeça, de galochas e óculos escuros. Na mão tinha um balde com canas de pesca onde trazia a arma de fogo escondida. Depois do assalto pôs-se em fuga, mas foi detectado por uma patrulha da GNR que casualmente passava pelo local.
Quando viu os militares, o pescador ainda tentou disparar contra eles, mas, azar dos azares, a arma encravou. Foi detido. A GNR encontrou- -lhe uma caçadeira de 12 milímetros de cinco disparos com o respectivo silenciador e munições e o tal saco – que, segundo a GNR, “continha uma quantia avultada de dinheiro”.
O carro em que se preparava para fugir também foi apreendido: estava estacionado a 200 metros do banco. No interior, a polícia encontrou toda uma panóplia de matrículas falsas. Há dias em que a pesca não dá nada, por muita fé que se ponha na coisa. 

Ladrões de doces. Os romenos gostam de bombons
Nove romenos foram detidos pela GNR por crime de “furto qualificado em empresa do ramo alimentar”. Trocando por miúdos, os homens, com idades entre os 21 e os 40 anos, roubaram 13 caixas de bombons numa empresa em Adémia, na zona de Coimbra.
Tudo correu de feição aos nove ladrões de doces até serem mandados parar numa operação stop na área de serviço de Pombal, em plena A1. Depois de terem roubado as caixas fofinhas, os romenos puseram-se em fuga em três carros. A GNR contaria mais tarde que quando foram apanhados os romenos não ofereceram resistência. Evidentemente que não, acrescentamos nós. Afinal tratava-se apenas de um grupo de ladrões inofensivos que só queriam roubar caixas com doces, certo? Errado. Afinal os três carros eram roubados e no seu interior seguiam outros artigos furtados: caixas de munições para revólver, três alicates, duas tesouras de corte, duas lanternas, duas chaves de fendas, um martelo e 14 telemóveis. Também veio a descobrir-se que um dos detidos era alvo de um mandado de captura internacional. Provavelmente, e atendendo à proximidade da data do furto em relação ao Natal, as caixas de chocolates eram mesmo para oferecer aos colaboradores mais chegados no mundo do crime.
José Guedes. A história de um estripador à portuguesa
José é um estripador à portuguesa, com certeza. O trolha culpa a mãe, prostituta, pela desgraça que lhe viria a acontecer na vida. Diz que foi por causa dela que matou três prostitutas na década de 1990. Depois pôs tudo por escrito num diário cor-de-rosinha com flores e estrelas que saiu com a revista “Bravo” em 2004 – 11 anos depois de os crimes terem sido cometidos. Mas isso agora pouco importa, é trabalho das polícias e não dos jornais. Além da lamechice, o alegado serial killer parece também ter sérios problemas de memória: a bota não bate com a perdigota em quase nada do que diz. E sofre de indecisão: primeiro disse que era o estripador, mas depois de ter sido preso (e de apanhar uma tareia na cadeia), já disse que não era. Problema que deve ser de família. O filho de José também deu o dito pelo não dito. Primeiro disse que o pai disse que era o estripador. Depois disse que afinal não disse, e que só queria ir a um concurso de televisão e que viu o pai escrever no tal diário, há pouco tempo, enquanto via um jogo de futebol. A história deste estripador tem todos os ingredientes de uma trama à portuguesa: um trolha, o peso do destino, uma boa dose de disse-que-disse e um reality show transmitido em horário nobre. Quem diria que cabiam tantos ingredientes num homem com apenas 1,60 metros de altura?
O gangue do multibanco. E dura e dura e dura e dura...
O método é fácil de explicar e a sua popularidade é tal que dura há vários anos. Primeiro
é preciso roubar uma retroescavadora, com que se extrai a caixa multibanco da parede. A seguir, com a pá da máquina, deposita-se o ATM numa carrinha roubada. Depois é só fugir. O ano passado foram dezenas de assaltos. E este ano o modus operandi voltou a ser usado. Em Março foi detido um dos gangues, o Grupo da Bela Vista, que terá conseguido roubar 2 milhões de euros em apenas um ano e meio: foram 99 assaltos na Margem Sul. Mas os assaltos continuam. O último aconteceu na noite da consoada. E se até aqui importava apenas extrair a caixa multibanco, nem que para isso fosse preciso destruir fachadas inteiras de prédios e casas, agora o método parece mais apurado. No dia 24, um dos gangues escolheu a única noite do ano em que uma  bomba de gasolina da BP em Vilamoura está fechada e fez-se de retroescavadora à ATM. O assalto demorou apenas dois minutos e meio e não causou qualquer estrago na fachada da gasolineira. No passado dia 28 de Novembro foi atacado outro multibanco, num hipermercado em Silves. E na semana passada houve novo ataque, desta vez no Carregado, com o recurso a explosões de gás – outro método inovador.
Não há nariz aguente. O recluso que é contra o sistema
O caso saltou para os jornais porque o Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais (GISP) usou um taser num recluso na cadeia de Paços de Ferreira. Carlos Almeida, 28 anos, 150 quilos, tem um estranho hábito, que é recupera em todas as cadeias por onde passa (e já lá vão dez): costuma defecar na cela e usa as fezes para pintar frases ameaçadoras dirigidas aos guardas prisionais. Mais: o peculiar recluso exige ser tratado por “O animal” ou, em alternativa, “O monstro”. Está preso desde 1999 e começou a defecar e a urinar na própria cela na prisão de Monsanto.
Em Paços de Ferreira foi levado a um psiquiatra, mas o relatório refere que não tem qualquer problema do foro psiquiátrico. As fezes e as frases são uma maneira de protestar contra o sistema. No Linhó e em Monsanto chegou a atirar fezes a uma médica, contou ao i em Fevereiro um guarda prisional. Sempre que é preciso intervir na cela do recluso, os guardas têm de usar um equipamento especial, com mangueiras e fatos tipo astronauta. A directora de uma das prisões chegou a encomendar centenas de velas com cheiro porque o odor a fezes se sentia em toda a cadeia e os funcionários, que usavam máscaras, queixavam-se de não conseguir trabalhar. Os outros reclusos chegaram a fazer greve de fome em protesto contra a situação. 
Prisão. Há prendas de que se gosta mais que de outras
Para os leitores mais sisudos, que nos acusam de estar sempre a brincar com coisas sérias, aqui fica o aviso: a ironia que se segue está entre aspas. E estar entre aspas significa que não é da nossa autoria. Neste caso concreto, é da autoria de uma “fonte prisional” ouvida pela agência Lusa. Feita a nota prévia, avancemos. A história que se segue aconteceu na última segunda-feira. No entanto, e apesar de recente, ganhou direito a lugar no top 10 dos crimes do ano. Já se sabe que o Natal é cada vez menos cristão e cada vez mais consumista. E o consumismo natalício é de toda a ordem – até de drogas. Que o diga uma mulher de 24 anos de Guimarães, que se tramou quando tentava introduzir 3,42 gramas de haxixe (o suficiente para 17 doses individuais) num estabelecimento prisional quando ia visitar um recluso – o namorado, presume-se.
A droga estava dentro de uma embalagem de plástico e foi detectada durante uma revista feita pelos guardas prisionais. “Devia ser uma prenda de Natal”, ironizou a tal fonte ouvida pela Lusa. Se era presente de Natal, é lamentável que não tenha chegado ao seu destinatário. Há lá coisa pior do que privar os seres humanos de receberem presentes natalícios? Às tantas o homem até se tinha portado bem durante o ano.

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