Entrevista
Viagra não é receita de super-homem, diz pai da pílula azul
Em visita ao Brasil, chefe da equipe que criou o medicamento diz que sua versão genérica vai custar centavos e alerta contra uso recreativo da droga
Marco Túlio Pires, de Campinas
Simon Fraser Campbell, químico inglês que comandou a equipe do laboratório Pfizer que descobriu o Viagra (Antonio Milena)
"As pessoas confundem o Viagra com uma droga recreativa. Isso tem que mudar. O que tentamos fazer é devolver à normalidade uma função debilitada"
"O Viagra genérico será muito mais barato, custará alguns centavos por pílula. Isso poderá trazer alguns problemas, mas poderá mudar a vida de muita gente"
Quando vem ao Brasil, o químico inglês Simon Campbell, 70 anos, se sente em casa. O cientista chefe da equipe que criou o Viagra foi professor da Universidade de São Paulo por dois anos, na década de 70. Ele, a mulher e o filho recém-nascido moravam na esquina da Avenida Paulista com a Brigadeiro Luis Antônio. Aos domingos, Campbell jogava uma pelada com os amigos, hábito que manteve até os 60 anos. "Hoje não 'ter' mais pique, né?", diz, num português simpático e desengonçado, com forte sotaque inglês.
O químico, hoje aposentado, interrompeu a tranquila rotina que leva na cidade de Sandwich, no interior da Inglaterra, para participar, na Universidade de Campinas, da Aula Avançada de Química, uma rodada de palestras com grandes autoridades da área (incluindo quatro vencedores do prêmio Nobel), realizada nesta semana pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Torcedor do Santos, por causa de Pelé, e do Aston Villa, Campbell conta em entrevista ao site de VEJA como será o Viagra do futuro, o segredo das grandes descobertas e de onde veio a sua afinidade com o Brasil.
A descoberta do Viagra aconteceu por acaso? Estávamos pesquisando dilatadores vasculares e alguns pacientes que tinham disfunção sexual relataram ereção. Não era a direção da pesquisa, mas acabamos indo parar lá. É como o Colombo, que procurava as Índias e acabou acertando a América. Tivemos sorte, mas felizmente estávamos preparados e soubemos aproveitar a descoberta.
Por que o remédio ganhou esse nome? Não queríamos que o nome lembrasse a função do remédio. O laboratório tinha a marca Viagra registrada para outro remédio ainda não comercializado, mas não estava sendo utilizado. Daí, alguém da equipe sugeriu que aproveitássemos o nome.
O senhor recebe cartas de pacientes? Sim. A maioria avassaladora das cartas que chegavam ao laboratório eram elogios ao medicamento. Pessoas paraplégicas, por exemplo, puderam ter suas vidas sexuais de volta.
Como será o Viagra do futuro? Um chiclete? Um perfume? Acho que as pessoas não vão se importar com isso quando as patentes perderem a validade — o que está quase acontecendo (o remédio foi patenteado em 1996 e aprovado para uso em 1998. No Brasil, sua patente expirou em 2010). O Viagra genérico será muito mais barato, custará alguns centavos por pílula. Isso poderá trazer alguns problemas, mas poderá mudar a vida de muita gente.
Quais tipos de problemas? As pessoas confundem o Viagra com uma droga recreativa. Algumas pessoas querem um super efeito e acabam usando a droga para virar um super-homem. Isso tem que mudar. O que tentamos fazer é devolver à normalidade uma função debilitada.
De onde vem sua relação com o Brasil? Minha esposa e eu moramos no Brasil durante a década de 1970. Nosso primeiro filho nasceu aqui. Nos dias de semana, eu ia para a USP trabalhar e no fim de semana para uma casa de praia que tínhamos no Guarujá. Durante esse tempo aprendi a gostar de muitas coisas brasileiras, principalmente a comida, as reuniões de fim de semana, o futebol e claro, a caipirinha.
Quando vai embora do Brasil, do que o senhor sente mais falta? Gosto muito das reuniões, dos restaurantes, do calor do povo brasileiro. Também saímos com os amigos na Inglaterra, mas é diferente. Não compartilhamos os pratos, bebidas, nem fazemos tanto barulho. Adoro as batucadas. Não gosto muito da burocracia.
O senhor gosta de futebol? Adoro futebol e joguei até os 60 anos. Todo domingo jogava uma pelada com os amigos. Nunca fui artilheiro - jogava no meio de campo -, mas gosto do esporte. Aqui no Brasil torço para o Santos, pois vi o Pelé jogar na Copa de 1970 e fiquei maravilhado. Na Inglaterra, meu time é o Aston Villa.
Que impressão o país lhe causa hoje? A estrutura universitária melhorou muito. Os equipamentos são melhores, os campi estão mais bonitos. As universidades parecem estar recebendo mais investimentos e, em muitos aspectos, o país não deve em nada à Europa e aos Estados Unidos.
Qual conselho o senhor dá para os estudantes brasileiros que querem fazer pesquisa e novas descobertas? Eles devem deixar o Brasil? Independente da nacionalidade, todos deveriam sair do país de origem. Após me graduar na Inglaterra, fui para os Estados Unidos, Chile e Brasil. Depois voltei para a casa. A experiência no exterior é muito engrandecedora e devemos aproveitar essas chances para trazer o conhecimento de volta ao país que investiu em nós.
O senhor já usou Viagra? Não, nunca.
Usaria? Se eu fosse diagnosticado com uma disfunção erétil e receitado, com certeza tomaria.
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