- 21 de agosto de 2011|
- 6h00|
- st
Quando participo de qualquer debate político com amigos, muitas vezes viro alvo de reclamações. Dizem que sou desagregador e “anarquista”, que só quero criar polêmica e que minha única obsessão é o tema “corrupção”. É óbvio, pois para mim, o centro do debate político começa e termina na corrupção. Ideologias e sectarismos à parte, não há muito como negar que a nossa arena política se reduziu à patética discussão de “quem rouba menos” (vide eleições 2010). Aqui no Brasil, a coisa funciona assim: quando a corrupção é do lado adversário, as pessoas cobram rigor nas punições, sempre com dedo em riste e gestos indignados. Até aí, tudo bem. Mas quando a corrupção é do lado delas, aí sim, evoca-se o beneplácito da dúvida, a presunção da inocência, o amplo direito à defesa. Nessas horas difíceis, a ordem é abrandar ao máximo as punições, desqualificar os acusadores, inventar complôs políticos e insinuar golpismos. Se, ao final, tudo ficar como está, missão cumprida. Criou-se um estranho mundo onde a “nossa” corrupção é benigna, necessária e até simpática, enquanto que a corrupção “deles” é maligna, perversa e fascista. Para a militância, isso é só um instrumento natural de defesa na arena política, mas para quem não reza segundo os dogmas de uma cartilha ou partido, não há nada mais atrasado e desonesto. E está exatamente aí toda a pobreza de qualquer debate político no Brasil. É a tal história: aos amigos, tudo — aos inimigos, a lei. Por que não reconhecemos de uma vez que a política é um reflexo do que somos como sociedade? Ou, como diria André Barcinski, por que não reconhecemos que é só a bandalheira que nos une. Desde sempre, foi assim que a vida andou para a nossa brava gente.
Aí chegamos ao governo Dilma. A despeito de todo o marketing pueril da “primeira mulher presidente”, havia uma clara mudança de estilo, sem rancores ou revanchismos, que foi muito bem recebida. Assim definiu Elio Gaspari: “Pela primeira vez em muitas décadas, tem-se a impressão de que o Brasil é governado por uma pessoa que chega cedo ao serviço, cuida do expediente e vai para casa sem que precise propagar evangelhos ou alimentar tensões.” Depois da inércia do governo no caso Palocci, as denúncias de corrupção que se seguiram foram respondidas com demissões em massa nos ministérios. Salvo engano, é algo inédito em nossa história. Quem puder puxar pela memória (sem sucumbir a paixões partidárias), vai lembrar que, nos tempos de FHC, demitia-se o ministro, mas deixava-se a máquina intacta. Ou seja, na prática, pouco (ou nada) mudava. Lula conseguiu fazer ainda pior: não só não demitia o ministro, como subia no palanque e berrava alguma bravata contra a elite ou a imprensa (que, por sua vez, respondia com ataques a ele, Lula — e não mais ao companheiro suspeito). Enfim, tudo parte de um grande jogo de cena em que Lula sempre saia vitorioso, pois desviava habilmente o foco das atenções. Nem mesmo Itamar Franco, que era mais intolerante com corrupção, conseguiu fazer muita coisa diante de uma crise econômica como a que vivíamos em 1992-93 (quanto a Collor e Sarney, falar o quê? Se eles morrem de medo que os arquivos de seus governos sejam abertos…).
O que quero dizer é que, pela primeira vez na vida, vejo algum governo agindo concretamente contra a corrupção na máquina do estado. E mais: é a primeira vez que vejo a sociedade respondendo a isso. Dizer que essas ações só agradam à classe média é subestimar a inteligência das pessoas. A tal “nova classe média” está aí conectada e acompanhando tudo. E se o “povão” (que os políticos dizem tanto amar) perceber uma mudança substancial, engrossará sim o coro da opinião pública. Sempre fui contra o governo. Qualquer governo. Para mim, política não se resume a escolher entre PT e PSDB. Devemos criticar sempre que acharmos necessário. Mas, realmente, não tem como ficar contra a “faxina”, porque é disso que o Brasil mais precisa. Nessa questão específica, temos de ser todos a favor, independente de partidos. Pode-se criticar a forma de conduzir a economia, a precariedade de nossa educação e saúde, nos problemas de infraestrutura, aí vai de cada um. E não se trata de ter ou não votado na Dilma (eu não votei). Trata-se apenas de defender o que é certo.
Está claro para todo mundo que esse modelo de coalizão — maquiado como “governabilidade”, mas ancorado nessa troca de favores corrupta do peemedebismo — está arruinando o país. Para quem gosta de discutir política na base da polarização, proponho uma diferente: ao invés de PT versus PSDB, que talsociedade civil versus políticos corruptos? Pode parecer meio ingênuo (qual polarização não é?), mas chegou a hora de cada um escolher de que lado está, pois o confronto está aí. Mas vale um lembrete: quem continuar protegendo “os seus” das acusações, já escolheu o seu lado — e esse lado é o de lá, dos corruptos.
Do ponto de vista do governo, vai depender de qual imagem ele vai querer deixar para a história. Dilma vai governar para os aliados ou para a sociedade? Será o governo que começou a virar um jogo que o Brasil nunca venceu ou será mais um governo que sucumbirá ao fisiologismo de resultados? O tempo dirá, mas está chegando a hora de estabelecer prioridades e se preparar para o inevitável confronto. É uma escolha e uma renúncia, já que congresso e sociedade estão em pólos opostos. Essa semana, Dilma disse que “a verdadeira faxina deve ser contra a miséria”. Errado. Primeiro tem que faxinar a corrupção, e aí sim o governo poderá resgatar todos os bilhões que são anualmente roubados e empenhá-los no combate a miséria (se fizerem isso, vai até sobrar dinheiro). Ainda que algumas demissões aconteçam de uma forma um tanto acanhada (por causa das chantagens e retaliações no congresso), ainda que se critique as ações espalhafatosas da Polícia Federal, já temos aí um começo. Este é um momento crucial para o Brasil e o caminho é longo. Afinal, estamos partindo da estaca zero nessa inglória batalha — e estamos falando de 99% dos políticos que aí estão (sem falar de seus aspones, confortavelmente acomodados em seus gabinetes). Para impor uma mudança dessa magnitude vai ser preciso muita coragem, coisa que nunca antes na história desse país um presidente teve. E se a presidente faz mesmo tanta questão de ser chamada de “presidentA”, ficarei mais do que satisfeito em atendê-la, mas, como estamos ainda no primeiro ano de mandato, prefiro esperar para ver de que lado o governo Dilma vai ficar.
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