quinta-feira, 12 de abril de 2012

O SENADOR QUE VIROU SUCO DE GILÓ


O homem que virou suco

imagem2Desde o escândalo protagonizado pelo senador Demóstenes Torres e o contraventor Carlinhos Cachoeira, sabia-se que o político teria um fim melancólico a partir do fogo amigo, diante da determinação do seu próprio partido de levar o congressista ao fim da carreira, no melhor estilo ‘se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’. Já na segunda-feira, os sinais eram bem claros que Demóstenes estava subindo ao cadafalso para perder também o pescoço politicamente, a partir do empenho do Conselho de Ética do seu partido.
No seu apartamento funcional, na SQS 309, o ainda senador expunha uma crise emocional para os amigos mais íntimos que o visitavam, principalmente depois que soube que o presidente do seu partido, José Agripino Maia, já estava dando como certa a guilhotina naquele que foi seu amigo, trocando a guilhotina pelo tabuleiro de xadrez. O político norte-riograndense afirmou de viva voz que o seu colega estava no xeque, mas também o seu partido, o DEM, que “que não aceita desvios”.
Na noite de segunda-feira, o destino de Demóstenes estava mais do que marcado, e já era sinalizado para que ele se desfiliasse da sigla antes de ser enxotado, sendo imposto um limite para que tomasse a decisão de se afastar. José Agripino ressaltou que, diante das novas denúncias, a cúpula tinha decidido antecipar o encontro com ele, mas o senador não compareceu. A partir desse gesto, o DEM simplesmente optou em não esperar mais e tomar a sua decisão.
Nos cafezinhos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal os parlamentares apostavam, no final da tarde de quarta-feira, que Demóstenes Torres iria optar pela renúncia ao mandato, mas essa decisão implicaria em uma consequência nada agradável que seria a perda imediata do foro privilegiado a deputados e senadores, significando a impossibilidade de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Perdas e danos também atingiram alguns senadores, como Cristovam Buarque (PDT-DF), que a essa altura deve estar arrependido do dia em que subiu à tribuna do Senado, no dia seis de março, para fazer a defesa de Demóstenes das críticas que atingiam o senador goiano por participar da promiscuidade íntima de Carlos Cachoeira. Na segunda-feira passada, Cristovam manifestava o seu arrependimento: “Eu respondo para essas pessoas: garanto que até aquele dia você também achava que ele era um defensor da moralidade”. 
O senador, no decorrer de terça-feira, em conversas com amigos mais próximos, considerava como uma vitória a decisão do DEM em expulsá-lo, o que só irá melhorar a sua situação, porque significa procrastinar o inquérito que ainda será instaurado pela Polícia Federal. Esse movimento de outra peça no xadrez iria possibilitar o que mais quer ultimamente, dar uma volta por cima, assumindo-se como vítima e ainda manter os seus direitos políticos.
Para ele, sem dúvida nenhuma, ficaria longe da Lei da Ficha Limpa, e, por isso mesmo, ao retomar alguns fatos, acredita que nem tudo está perdido, a partir do seu afastamento temporário. Mas alguns juristas não acreditam nessa possibilidade, porque já prevalece no Congresso Nacional que ele deve ser cassado. Essa possibilidade pode até acontecer, mas não nas atuais circunstâncias, pois a opinião pública quer uma decisão imediata.
No fim de semana, antes de desembarcar em Brasília, na segunda-feira, Demóstenes já sabia que sua biografia estava com uma rasura que, dificilmente, conseguirá apagar. Ainda no domingo, o seu sentimento era de renunciar ao resto do mandato de senador para ser esquecido logo pela mídia. O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, sugeriu uma “medida extrema”, o teor das conversas telefônicas mantidas com o empresário, divulgadas pela imprensa, evidencia uma situação mortal para qualquer político.
Demóstenes Torres, foi avisado que a renúncia ao mandato não o levaria a voltar a ser um cidadão comum, muito pelo contrário, porque terá que ser julgado pela sua promiscuidade, tendo que enfrentar a Lei da Ficha Limpa, considerada pelo Supremo Tribunal Federal como constitucional, o que não o impedirá de se tornar inelegível. A situação é tão grave que até alguns dos seus amigos afirmaram que não aguentariam 10 minutos no seu lugar.
O ainda senador está visivelmente atormentado, não dorme e quase não se alimenta. A possibilidade de retomar seu lugar no Ministério Público de Goiás estava sendo evitada, no fim de semana, porque se voltar ao MP, abre ainda outra alternativa, a de ser julgado pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Mas ele também não poderá escapar de uma investigação pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Até mesmo o apartamento funcional que o senador ocupa servia como uma sucursal da máfia dos caça-níqueis, em Goiás, no Distrito Federal, a partir de uma investigação da Polícia Federal, que interceptou uma longa conversa do sargento Idalberto Matias Araújo, mais conhecido por Dadá, homem de confiança de Carlinhos Cachoeira.  Bastaram apenas 17 minutos de gravação para a PF, em 21 de dezembro de 2010, ocasião em que Dadá transmitiu informações ao segundo homem na hierarquia, Lenine Araújo de Souza.
Durante a conversa, Dadá, às 16h40, reclamou o fato de ter ficado no hall do edifício da 309 Sul desde as 12:00h. A resposta de Lenine foi: “O homem está aqui, não posso sair!”. Estranhamente, Dadá também entrou em contato com um agente federal da sua relação, para requisitar passaporte especial ou diplomático para um desembargador, sem citar o nome, o que reforça a influência de Cachoeira, em Goiás e também no Distrito Federal. Essa revelação, sem dúvida nenhuma, demonstra o poder da quadrilha.
O esquema dos fora da lei chegou até mesmo à ousadia de recrutar policiais com a missão de investigar o governador de Goiás, Marconi Perillo, mas a PF foi mais eficiente na Operação Monte Carlo, constatando que, em uma das conversas gravadas, Cachoeira demonstrava sua desenvoltura a ponto de indagar a uma servidora, Eliane Gonçalves Pinheiro, com pronúncia tosca, se tinha falado com alguém que ele optou em nominar como o “pro maior”, recebendo imediatamente a resposta: “Estou com ele aqui, tá aqui! Imaginava como que tava.” Ou seja, seria o governador, mas não ficou claro.
A promiscuidade era nítida, como ficou demonstrado nos 12 minutos de diálogo entre o contraventor e a chefe do governador Marconi Perillo, que transmitiu a informação, a secretária Eliane, com revelações muito significativas, como segue:
Carlinhos: Eliane?
Eliane: estou ouvindo...
Carlinhos: Falou pro maior (sic).
Eliane insiste em procurar saber se a operação da PF tem mais gente envolvida.
A resposta de Carlinhos: Não! Já, já eu te falo. O que eu sei é esses aí (sic). Num (sic) tem ninguém grande não.
Apesar de tudo, o governador Marconi Perillo, mesmo depois dos diálogos gravados, afirmou que simplesmente desconhece qualquer vínculo de amizade entre ele e a sua chefe de gabinete.  
Debatendo-se na cachoeira, também o governador de Goiás poderá ou não ir para o cadafalso, caso seja constatado seus vínculos com a promiscuidade na Operação Monte Carlo da Polícia Federal, até porque Eliane Gonçalves Pinheiro, que assumia o estratégico cargo de Chefe de Gabinete da sede do governo – e só assume alguém que tenha muita intimidade e confiança de quem governa –, pela sua desenvoltura, demonstrava que tinha mesmo a confiança de Perillo, o que levaria à conclusão de que ele poderia ter intimidade com o bicheiro.
Marconi Perillo terá muito o que explicar, desde que surgiu a possibilidade de que teve encontros com Carlos  Augusto Ramos, o Cachoeira. O governador, para se defender, antecipou-se em uma entrevista, na TV de Goiânia, enfatizando que “não há envolvimento do governo com a contravenção”, acrescentando, inclusive, que recomendou ao seu secretário de Segurança Pública do Estado, João Furtado, que retirasse as máquinas de caça-níqueis a partir de janeiro de 2011, ou seja, quando a PF já estava apurando a movimentação.
O governador se desdobrou para demonstrar que não tinha qualquer vínculo com o esquema da contravenção, afirmando que desde o início determinou o combate efetivo à contravenção, mas ele teve de ejetar a sua Chefe de Gabinete como uma assepsia ética em seu palácio, embora Eliane Gonçalves Pinheiro tenha afirmado que não tem nada a temer, ressaltando, em sua carta de demissão, que fora vítima de um equívoco, pela coincidência de seu nome com outra Eliane – que desconhece – que protagonizou conversas telefônicas grampeadas.
Já na TV Anhanguera, o governador disse que os principais políticos de Goiás e empresários, certamente, já tiveram algum tipo de conversa com o contraventor, fazendo, em seguida, uma ressalva estranha: “A gente tem que entender que amizade é uma coisa muito profunda. Eu o recebi aqui no gabinete no ano passado, formalmente, depois de audiência do senador Demóstenes, para tratar da instalação de uma indústria química na cidade de Anápolis, procedimento que eu adoto com todos os empresários que me pedem audiência para tratar de gerar empregos”. 
Se foi dessa forma, a Chefe de Gabinete não teria por que ter pedido demissão, já que teria sido vítima e não envolvida com o esquema de corrupção.
Mas o que vem prevalecendo, sem dúvida nenhuma, é que Eliane Pinheiro, de acordo com a investigação da PF, mantinha vínculos com o chefe da organização. Quem deve também perder o sono nos próximos dias é mesmo o governador Marconi Perillo, que tinha Eliane como uma pessoa da sua confiança, tanto, que ocupava um cargo muito importante.
Diante de tudo isso, ainda tem quem aposte na inocência do governador de Goiás, como, por exemplo, o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, que afirmou a disposição de investigar onde houver para investigar, ressaltando com toda ênfase que confia em Marconi.
O que parece, sem dúvida nenhuma, é que o Goiasgate ainda não chegou ao fim.
A esperteza quando é grande demais acaba engolindo o dono, e o senador Demóstenes Torres é mais um exemplo, em Brasília, depois que se envolveu em graves denúncias de resgate de propina como também de liderar um esquema mafioso dos caça-níqueis em Goiás. Como homem público, está atolado com os dois pés por ter sido receptador de um esquema que em seis anos, totalizou R$ 170 milhões, ficando com o senador a maior parte, R$ 50 milhões, que alegava ele ser para a sua campanha ao governo de Goiás.
Foi, sem dúvida, um impacto na imagem de Demóstenes, que demonstrava ser um parlamentar acima de qualquer suspeita. Foram ainda puxados na corda os deputados Jovair Arantes (PTB), Rubens Otoni (PT) e Carlos Alberto Lereia, em um esquema de corrupção que levou, inclusive, o senador a ser beneficiado pelo empresário Carlos Augusto Ramos, Carlinhos Cachoeira, o chefe na exploração ilegal dos jogos, chegando o caso à Procuradoria-Geral da República, depois que a Polícia Federal juntou provas da promiscuidade do senador.
Três anos antes, a PF anexou indícios de que Demóstenes e Cachoeira eram mais do que amigos – o que já seria estranho – tinham vínculos muito próximos, além do limite da promiscuidade, como, por exemplo, o senador pedir por telefone que o bicheiro pagasse uma despesa dele com táxi-aéreo no valor de R$ 3 mil. Todo mundo sabe que contraventor não dá nada sem receber alguma vantagem – cedo ou tarde. Para Cachoeira, o senador revelava até informações institucionais, chegando ao ponto de usar um rádio Nextel, um telefone habilitado nos Estados Unidos, para que pudessem trocar informações.
Ciente da promiscuidade do senador com Carlinhos Cachoeira, a PF decidiu explorar com maior empenho como funciona a exploração ilegal dos jogos, o que a levou a montar a Operação Monte Carlo, abrindo caminho para a Justiça Federal de Goiânia instaurar processo contra o chefe do esquema, Cachoeira, que está no presídio federal de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Não foi surpresa o gesto do senador Demóstenes Torres ao decidir pela desfiliação do partido, criticando na carta a decisão da legenda em pedir a sua expulsão. Afirmou, com toda convicção, que fora vítima de um pré-julgamento público sobre o seu envolvimento com o meliante Carlos Cachoeira, considerado o maior dono de jogos ilegais no Brasil. Teatralmente, como é seu estilo, o ainda senador foi para a tribuna para dizer que, embora discordasse frontalmente da afirmação de que teria se desviado reiteradamente do programa partidário, diante do pré-julgamento público que o partido fez, estava participando a sua desfiliação do Democratas.
A desfiliação do DEM não foi nada mais do que a única alternativa de Demóstenes, depois de o partido comunicar sua disposição em abrir um processo disciplinar para apurar se o senador usou o seu mandato para favorecer o contraventor Carlos Augusto Almeida, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira. Sabendo que o processo disciplinar levaria à sua expulsão, que além de ser humilhante também poderia encerrar sua vida pública durante muito tempo, encerrando sua trajetória política, preferiu desfiliar-se do partido.

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