O risco da garganta profunda
Transmitida por sexo oral e resistente aos antibióticos, uma nova forma de gonorreia de faringe está se tornando epidêmica
A Organização Mundial de Saúde estima entre 700 mil e 1 milhão de brasileiros infectados com gonorreia. Nos Estados Unidos, ela é a segunda doença contagiosa mais comum. Causada pela bactéria gonococo, a gonorreia é transmitida principalmente pelo ato sexual. São raros os casos de contaminação por artigos de higiene íntima ou vasos sanitários. O que pouca gente sabe – ou o que muita gente subestima – é o risco de ser contaminado pelo sexo oral. Nessa prática sexual, seja por aversão ao gosto do látex ou pela diminuição da sensibilidade, as pessoas costumam ignorar a camisinha. Isso para não falar do prazer feminino: você conhece alguém com o hábito de cobrir a vagina com papel celofane ou plástico de embalar alimentos para evitar o contato direto com a língua? Pois é.
Mas o risco existe – e tem se tornado cada vez mais alto, por causa dos novos hábitos sexuais disseminados pela pornografia disponível na internet. As exibições de cenas explícitas de sexo oral do tipo “garganta profunda”, realizadas por profissionais, parecem estar estimulando os jovens a fazer o mesmo com os seus diversos parceiros – com péssimos resultados. Em Los Angeles, segundo reportagem publicada na revista Newsweek, os casos de gonorreia de faringe aumentaram desde 1988 sete vezes em relação aos de órgãos genitais. “Apesar de as pessoas acharem que sem penetração é seguro, o risco de contaminação pela boca existe”, diz a médica Mariângela Freitas da Silveira, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Uma pesquisa americana publicada em 2004 revelou que 82% dos adultos sexualmente ativos nunca usaram preservativo no sexo oral. “Não dá para ser hipócrita: é muito desagradável mesmo”, afirma o ginecologista Paulo Canella, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por esse motivo, cresceu o número de infectados pela garganta.
A outra novidade, igualmente negativa, é que bactéria que migrou para a garganta já não é uma bactéria comum. Ela resiste a boa parte dos antibióticos disponíveis. Até a década de 1980, a gonorreia era curada com penicilina. Num rápido processo de evolução, a bactéria tornou-se resistente a esse tipo de medicamento. Os médicos começaram a usar a quinolona, uma nova classe dos antibióticos. Recentemente, dados epidemiológicos mostraram que também esse antibiótico não faz mais efeito em regiões da Ásia e da Europa. “No Brasil, a resistência da bactéria ainda é baixa”, afirma o infectologista Max Igor Lopes. “Mas estamos vivendo uma epidemia global de doenças sexualmente transmissíveis e nada impede que tenhamos esse problema aqui em breve”. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 10 milhões de brasileiros tiveram alguma DST ao longo da vida sexual.
Sabe-se que os homens têm menos chance de serem contaminados no sexo oral. Isso porque a bactéria não gosta de colonizar a parte mais externa da boca (gengiva, língua ou bochecha), uma vez que a saliva tem enzimas que destroem a gonococo. Já as mulheres convivem com um perigo muito maior ao levar a extremidade do pênis até o fundo da boca – ou mesmo até a garganta. O infectologista Max Igor Lopes, do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que a parte posterior da boca, quente é úmida, é o ambiente propício para a bactéria. “Cerca de 20% das pessoas infectadas têm gonorreia na faringe”, diz Lopes. Os sintomas são de uma inflamação normal – dor, vermelhidão e pus na garganta. Na maioria das vezes, o paciente nem desconfia da doença e é tratado com uma faringite corriqueira. Assim, continua contaminado e transmitindo a bactéria. Diagnosticada, é preciso tratar também os parceiros sexuais com uma dose única de antibiótic
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