Domingo (23), o Fantástico não pôde exibir uma reportagem sobre policiais federais acusados de cobrar propina de comerciantes na maior região de comércio popular do Brasil, a Rua 25 de março, em São Paulo.
A censura tinha sido determinada pelo juiz federal Marcelo Costenaro Cavali, que atendeu a um pedido dos advogados do delegado federal Adolpho Alexandre de Andrade Rebello. O delegado é acusado de formação de quadrilha, violação de sigilo funcional e corrupção.
Esta semana, a TV globo recorreu à Justiça contra a proibição de exibir a reportagem, que contém vídeos sigilosos em que policiais federais confessam e detalham negociações ilegais com os comerciantes
Na sexta-feira (28), o juiz federal Marcio Ferro Catapani acolheu o pedido da Globo e afastou a proibição anteriormente determinada. Na decisão, o juiz diz o seguinte: "O dever de respeito ao sigilo processual limita-se às partes que integram a relação jurídico-processual, não podendo ser oposto a terceiros. Em especial, tratando-se de empresa jornalística, no exercício da respectiva liberdade".
O juiz Marcio Ferro Catapani cita também a jurisprudência, ou seja, um entendimento que vem sendo firmado em sucessivas decisões judiciais anteriores sobre este mesmo tema, que envolve a liberdade de imprensa. O juiz, que na decisão cita o Supremo Tribunal Federal, diz : "com base na jurisprudência citada, que impede a censura prévia, sedimentada pelo STF, defiro o pedido".
Você assiste neste domingo (30) a reportagem sobre policiais federais acusados de cobrar propina de comerciantes na maior região de comércio popular do Brasil, a Rua 25 de março, em São Paulo.
“Esse é original?”, pergunta o repórter.
“É. Primeira linha esse”, responde a vendedora.
“Quanto é um desse na loja?”, argumenta o repórter.
“180”, diz ela.
“E se for comprar na relojoaria?”, pergunta.
“Lá é caro. 20 mil. 30 mil”, declara a vendedora.
A cena é comum na maior área de comércio popular do Brasil. Estamos na Rua 25 de Março, no centro de São Paulo. São milhares de lojas vendendo roupas, óculos, relógios, tênis, bolsas e outros produtos falsificados e contrabandeados.
“Já tem iPhone 5?”
“Réplica tem. 150”, responde a vendedora.
“É réplica?”
“É”, afirma a vendedora.
“Tem câmera?”
“Tem, tem câmera”, confirma a vendedora.
“Quanto é esse?”
“150”, diz ela.
Você vai ver agora como funcionava um esquema de pagamento de propina que liberava esse comércio fora da lei.
“Era em dinheiro, em dinheiro, dinheiro vivo”, diz Mauro Sabatino.
“Somando tudo, dá por volta de 500 mil reais”, conta Alcides Andreoni Júnior.
Os próprios agentes e um funcionário administrativo da
Polícia Federal explicam como agiam na ilegalidade.
“Corrupção. Em determinado momento se levou tudo pro lado de fazer alguma coisa, não só trabalhar. Essa que é a grande verdade”, declara Paulo Marcos Dal Chico.
Os depoimentos fazem parte de um acordo de delação premiada que os três suspeitos fizeram com a Justiça em julho. Há um ano, eles foram presos em uma operação da própria Polícia Federal. Depois de contarem o que sabem, eles respondem ao processo em liberdade.
O agente Mauro Sabatino descreve um esquema com um grupo de lojistas.
“O que seria para fazer no Shopping 25? Não seria para vazar operação. Seria para nós não darmos, não iniciarmos um procedimento que tivesse como alvo o Shopping 25”, diz Mauro Sabatino.
Foram os próprios policiais que procuraram um representante dos comerciantes.
“Nós levamos um pedido de 700 mil reais, num primeiro ano. e os outros anos, enquanto nós estivéssemos na fazendária, seriam 300 mil reais. Seria tipo uma renovação”, diz Mauro.
E ouviram uma contraproposta.
“A posição dele foi de pagar no primeiro ano 450 mil reais e 300 mil reais. E como era pago? Começo, meio e fim do ano. Então foi pago 450 mil reais em 2009 e foi pago 300 mil reais em 2010”, completa Mauro.
“Quem pegava o dinheiro era eu. Muitas vezes entregava pro Mauro. Mauro levava, dDepois ele trazia as partes de cada um”, conta Paulo Marcos Dal Chicco.
Dois delegados que ocupavam funções de chefia na Polícia Federal de São Paulo também são suspeitos de participar do esquema de cobrança de propina. Todo o dinheiro arrecadado pelo grupo era divido em partes iguais, segundo as investigações.
“A corrupção era feita, curto e grosso. Dividia eu, o Mauro Sabatino, o Alcides, Dr. Adolpho e Dr. Sabadin”, conta Paulo Marcos Dal Chicco.
Naquela época, o delegado da Polícia Federal Adolpho Rebello chefiava o núcleo de operações da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, onde todos os suspeitos trabalhavam. O delegado Marcelo Sabadin era o chefe geral daquela delegacia.
“Inicialmente, ele levou para gente levantar a delegacia. Depois ele veio com essa conversa. Então, ele que deu o sinal verde, jogou as cartas na mesa e falou ‘faz’. Ele abriu realmente o jogo, que tinha interesse de fazer, além do serviço lícito, fazer um serviço paralelo”, declara Mauro Sabatino.
O Ministério Público acusa Marcelo Sabadin e Adolpho Rebello dos crimes de corrupção, violação de sigilo funcional e formação de quadrilha. Segundo o agente Alcides Andreoni Júnior, em abril de 2009, o grupo fez mais um acordo. Desta vez, com o dono de uma loja na Rua Santa Ifigênia.
“Eu fiz a negociação, acertou o valor, o valor tá acertado. Que foi 50 mil dólares. Foi decidido que era só pra ele não ser preso em flagrante”, diz Alcides Andreoni Júnior.
Mas o negócio acabou desfeito.
“Quando teve que levar o cara pra delegacia, nós falamos pro rapaz. Falou: ‘se não der pra fazer, nós vamos devolver o dinheiro porque não dá pra fazer, vai ter que proceder". Foi o que aconteceu. Tratado é tratado. Nós tínhamos tratado com ele que se não desse certo, nós íamos devolver o dinheiro”, conta Paulo Marcos Dal Chicco.
Segundo o advogado, Marcelo Sabadin nega todas as acusações.
“O Ministério Público jamais vai conseguir comprovar qualquer tipo de ligação dessa porque é impossível se comprovar o que nunca existiu”, argumenta o advogado Leonardo Pantaleão.
Para ele, os três servidores presos usaram a delação premiada para se vingar de Sabadin.
“O Instituto da Delação Premiada é um instituto extremamente importante no país. Só que deve ser conferida a ele a responsabilidade, a utilização responsável das palavras que são colocadas. Eles se valeram dessa oportunidade de buscar uma liberdade a todo custo, incriminando uma autoridade dessa envergadura”, afirma Pantaleão.
O Fantástico procurou os advogados de Alcides Andreoni Júnior, Mauro Sabatino e Paulo Marcos Dal Chicco, mas eles não quiseram se manifestar.
Em nota, o advogado de Adolpho Rebello diz que o delegado "nunca recebeu ou cobrou valores ilícitos de quem quer que seja".
“Qual a dificuldade em combater o contrabando ou a pirataria, o descaminho?”, pergunta o repórter.
“A venda a varejo numa região como a região metropolitana de São Paulo, com mais de 20 milhões de habitantes, e centro desse comércio popular do país, ela sempre é muito difícil de se reprimir”, argumenta Roberto Troncon Filho, superintendente da Polícia Federal de São Paulo.
Desde 2010, a Polícia Federal atua no centro de São Paulo em conjunto com a prefeitura, o estado e a
Receita Federal.
“Nós conseguimos tirar de circulação de 78 milhões de itens de origem ilícita, que são avaliados em cerca de R$ 2 bilhões”, diz Troncon Filho.
Levamos alguns dos produtos vendidos no centro da cidade para um especialista do Fórum Nacional de Combate à Pirataria.
“Tudo falsificado. Posso te dar 100% de certeza. A partir do momento que nós somos coniventes com a pirataria, nós estamos alimentando um mercado oculto liderado pelo crime organizado e este sim trabalha com outros crimes de maior potencial ofensivo, que é o tráfico de drogas, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil e a corrupção de agentes públicos”, alerta Rafael Bellini, especialista do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade.
“Foi dividido, geralmente eu juntava com outros, Adolpho, Sabadin, eu, Paulinho e Cidão. Dividido em cinco partes”, declara Mauro Sabatino
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2012/12/policiais-sao-acusados-de-cobrar-propina-para-liberar-contrabando.html
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