O grupo quase desistiu de assumir o controle da Aracruz. Um empurrão indireto do BNDES e um bom desconto ajudaram a convencê-la
JOSÉ FUCS
SÓCIOS
O clã dos Ermírio de Moraes, à frente do Grupo Votorantim (da esq. para a dir.): Luis, Cláudio, Clóvis Scripilliti e José Neto, em pé; José Roberto, Carlos e Fábio, (sentados). Negócios com o governo
O clã dos Ermírio de Moraes, à frente do Grupo Votorantim (da esq. para a dir.): Luis, Cláudio, Clóvis Scripilliti e José Neto, em pé; José Roberto, Carlos e Fábio, (sentados). Negócios com o governo
Foi-se o tempo em que o Grupo Votorantim, controlado pela família Ermírio de Moraes, a mais rica do país, prosperava sem precisar da ajuda do governo. No início de janeiro, ele vendeu 49,99% de seu braço financeiro, o Banco Votorantim, para o Banco do Brasil, o mamute financeiro oficial, por R$ 4,2 bilhões. E, na terça-feira, depois de quase seis meses de negociações, recebeu o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para assumir o controle da Aracruz e tornar viável a incorporação da empresa por sua controlada, a Votorantim Celulose e Papel (VCP).
Com o negócio, cujo valor poderá chegar a R$ 5,4 bilhões, a VCP passará a ser a maior produtora de celulose do mundo. Terá uma fatia de 37% do mercado global, um faturamento anual de R$ 7 bilhões e uma capacidade de produção de 5,8 milhões de toneladas por ano, 80% a mais que a segunda colocada, a Arauco, do Chile. A incorporação da Aracruz permitirá também, de acordo com a VCP, uma redução de custos equivalente a R$ 4,5 bilhões, o que deverá torná-la bem mais competitiva no mercado internacional. “É isso que nos anima a fazer essa fusão”, diz Raul Calfat, diretor-geral da Votorantim Industrial (VID), controladora da VCP.
Até agora, o que está certo é a compra de uma participação de 12,4% que as famílias Lorentzen, Moreira Salles e Almeida Braga detinham no capital total da Aracruz (equivalente a 28% das ações com direito a voto), por R$ 2,7 bilhões. Além disso, o negócio poderá incluir também a compra, pelo mesmo preço, de uma participação semelhante que o Grupo Safra tem na empresa. Oficialmente, o Safra ainda não anunciou a decisão de vender sua fatia na Aracruz. Mas tudo mostra que seguirá o mesmo caminho dos antigos sócios. Abalado pela crise lá fora, o banqueiro José Safra deverá optar por se concentrar em seu negócio principal, o Banco Safra.
Pelo acerto firmado entre a VCP e as famílias Lorentzen, Moreira Salles e Almeida Braga, os vendedores deverão receber o dinheiro em seis parcelas semestrais, até julho de 2011. Dos R$ 5,4 bilhões que o negócio poderá alcançar, o Votorantim deverá entrar com apenas R$ 600 milhões de capital próprio. O BNDES, que detinha uma participação de 5,5% na Aracruz e de 3,1% na VCP, deverá investir até R$ 2,4 bilhões em dinheiro novo. O valor final vai depender do número de acionistas minoritários que aderirem à operação de aumento de capital, dentro de quatro meses. Os R$ 2,4 bilhões restantes deverão ser pagos aos vendedores com o caixa gerado pela própria VCP.
Ao final, o Grupo Votorantim terá uma participação de 29,1% no capital total da nova empresa. A participação do BNDES poderá chegar a 42%. A gestão só ficará a cargo do Votorantim graças a um novo acordo de acionistas. “O BNDES entende que é importante termos grandes empresas de capital nacional”, diz Calfat. “Uma das tarefas do BNDES é apoiar a formação de empresas brasileiras eficientes, com atuação global”, afirma o presidente da instituição, Luciano Coutinho.
Segundo Calfat, o negócio nada tem a ver com a venda de parte do Banco Votorantim para o BB, porque todo o dinheiro será usado para reforçar o capital da instituição. Ele diz que o Grupo Votorantim não passa por problemas financeiros e tem R$ 9 bilhões em caixa para investimentos já anunciados em suas controladas. Mas o fato é que, antes do aporte do BB no banco do grupo, a família Ermírio de Moraes ganhou o direito de sacar dividendos de R$ 750 milhões acumulados ao longo dos anos. É um valor muito próximo ao que o grupo deverá investir na compra da Aracruz.
A compra da Aracruz já estava definida em setembro, antes do aprofundamento da crise econômica. O Votorantim havia fechado um acordo com o Safra para que os dois grupos compartilhassem o controle da Aracruz, deixando o BNDES de fora. O Votorantim compraria a fatia das três famílias, como acabou acontecendo, e o Safra faria um aporte de R$ 530 milhões na nova empresa, para ampliar sua participação. Com as perdas de US$ 2,1 bilhões que a Aracruz teve no mercado de derivativos cambiais em setembro, por causa da alta repentina do dólar, o Safra não só desistiu do negócio como, ao que tudo indica, deverá vender sua participação. “Para um grupo que faz parte do controle da Aracruz há mais de duas décadas, não é fácil tomar a decisão de sair da empresa”, diz Pérsio de Souza, sócio da Estáter, que assessorou o Votorantim na operação.
De acordo com alguns analistas, se o Votorantim não tivesse se comprometido com as famílias Lorentzen, Moreira Salles e Almeida Braga a comprar suas participações na Aracruz, também teria desistido do negócio. Faz sentido. Em setembro, o Votorantim havia concordado em pagar R$ 2,7 bilhões pelo bloco de ações das três famílias, o equivalente a R$ 19 por ação. Só que, na segunda-feira, os papéis da Aracruz eram negociados na Bolsa de Valores de São Paulo abaixo dos R$ 6. Além disso, com a retração da demanda internacional, os preços da celulose caíram muito e não deverão se recuperar tão cedo. A única compensação que o Votorantim obteve foi o desconto proporcional do prejuízo da empresa com derivativos, recentemente renegociado com os bancos. O desconto se dará mediante a não-correção das parcelas que eles receberão nos próximos três anos. Descontando-se a inflação estimada para o período, o valor real pago aos vendedores deverá ficar em torno de R$ 2,35 bilhões.
Em defesa do negócio, Calfat afirma que o setor de papel e celulose trabalha com investimentos de longo prazo e uma mudança conjuntural como a atual não deverá afetar os planos das empresas. Diz, também, que por exportar a quase totalidade de sua produção, a Aracruz tem a maior parte de sua receita em dólar. E, em dólar, o negócio ficou mais barato. O preço acertado equivalia US$ 1,7 bilhão em setembro, e passou para US$ 980 milhões. “Nós nunca desistimos desse negócio”, afirma Calfat.
Chapa branca
Na nova empresa que será formada após a incorporação da Aracruz pela VCP, a participação do BNDES poderá chegar a 42% do capital, em vez dos 5,5% que detinha na Aracruz
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