sábado, 9 de julho de 2011

PEZÃO OU MÃO GRANDE?

Eu só assinei”, diz Pezão
NELITO FERNANDES


Revista ÉPOCA

É com essa frase que o vice-governador do Rio tenta explicar por que o Estado pagou R$ 470 mil pela desapropriação da casa da cunhada de sua mulher
Flagrado na festa de um empreiteiro e na carona do jatinho de um empresário, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), assumiu o erro e lançou um código de ética para disciplinar a conduta dos servidores e da cúpula da administração fluminense. Se as regras fossem retroativas ou se tivessem sido criadas no início do ano passado, o código já poderia ser aplicado no caso do braço direito de Cabral na administração, o vice-governador Luiz Fernando de Souza, também conhecido como Pezão.
No dia 29 de janeiro de 2010, na condição de governador interino, Pezão assinou um decreto que beneficiou a família de sua mulher. Ele transformou uma casa de sua concunhada em local de utilidade pública e desapropriou o imóvel. O processo correu na Justiça em menos de seis meses, pois Pezão autorizou um pedido de urgência. Com a canetada do vice, o Estado pagou R$ 470 mil pelo imóvel, além das custas do processo. Casas semelhantes são oferecidas por R$ 300 mil no mercado local. O governo informa que quer transformar a propriedade em sede da Procuradoria do Estado na cidade. A pressa para o pagamento, porém, não se repetiu nas obras de adaptação do local. Mais de um ano depois do desembolso, a casa continua abandonada.
Quando Pezão assinou o decreto, o governador Sérgio Cabral estava em Londres, em visita oficial às obras para a Olimpíada. Cabral viajou no dia 29 de janeiro, segundo sua assessoria. Pezão assinou o decreto de número 42.269 assim que assumiu o cargo de governador. Uma das donas do imóvel era Ana Maria de Carvalho Horta Jardim, casada com Flavio Cautieiro Horta, irmão da mulher de Pezão, Maria Lúcia Horta. O cunhado do vice-governador atuou como advogado da família no processo de desapropriação.

Guillermo Giansanti e Fábio Costa
EM CASA
Ao alto, a casa comprada pelo governo em Barra do Piraí, no Rio. Acima, o decreto de desapropriação assinado por Pezão (à esq.). Ele disse que não sabia que o imóvel era da família 
A denúncia contra a transação foi feita por Jefferson de Castro, morador de Barra do Piraí, autor de uma representação no Ministério Público (MP) local. Em resposta, o MP argumentou que o parentesco não significa, “necessariamente, violação ao princípio da impessoalidade, o que só se pode afirmar mediante evidências concretas”. O MP já fora consultado durante o processo da compra, como é praxe em desapropriações do tipo. E não se opôs.
A casa comprada pelo Estado tem 310 metros quadrados e fica na Rua Dona Guilhermina, no centro de Barra do Piraí, município de 95 mil habitantes no sul fluminense. A região é reduto eleitoral de Pezão. Antes de ser vice, ele foi prefeito de Piraí, cidade menor, vizinha.
O imóvel tem quatro suítes, duas varandas, uma sala, duas áreas de serviço e dependências de empregada. O terreno mede 300 metros quadrados. Ana Maria e seus dois irmãos ganharam a casa de presente dos pais em 2002, segundo o registro geral. De acordo com um alto funcionário da prefeitura de Barra do Piraí, a casa era oferecida por corretores por R$ 300 mil, sem interessados. Na mesma rua, outro imóvel com características semelhantes foi vendido na ocasião por R$ 300 mil.
Pezão disse a ÉPOCA que não sabia que a casa era da família de sua mulher. “Isso já veio pronto da Procuradoria-Geral. Eu só assinei. Eles compraram vários imóveis para fazer sedes regionais, esse foi só um deles”, afirma. Ele admite que convive com os cunhados e os encontra com frequência. Mas diz que em nenhum momento sua mulher, o irmão dela ou a concunhada o informaram sobre a venda. “A gente não conversa sobre isso. Eu não misturo assuntos de Estado com a família”, diz Pezão.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) informou, por meio de sua assessoria, que partiu do órgão a iniciativa de comprar a casa. Segundo a nota, a sede da PGE funcionava na mesma rua, em imóvel alugado. A negociação para a compra da sede antiga teria fracassado e, então, outras casas foram procuradas. De acordo com a PGE, o preço pedido inicialmente foi de R$ 520 mil, mas a família aceitou a contraproposta de R$ 470 mil. As obras ainda não começaram, porque aguardam licitação. “Foram considerados vários outros imóveis, mas o escolhido foi julgado o melhor, mais adequado e com bom preço”, diz a nota.
Pezão é uma figura carismática no governo Cabral e goza da simpatia da presidente Dilma Rousseff, que o chama de “Pezãozinho”. Alto, de vozeirão, ganhou o apelido por causa do pé tamanho 48, que lhe causa alguns constrangimentos. Em janeiro, durante as enchentes que assolaram a região serrana, Dilma viu que Pezão estava literalmente com os pés na lama. A presidente ouviu dele que não havia galochas para o tamanho de seu pé. No dia seguinte, Pezão recebeu da Petrobras um par de botas encomendado por Dilma. Ganhou também a admiração da presidente como gestor do Programa de Aceleração do Crescimento no Rio de Janeiro.
O código de ética lançado por Cabral na semana passada tem, entre outros objetivos, “evitar a ocorrência de situações que possam suscitar conflitos entre o interesse privado e as atribuições públicas do agente público”. No Artigo 7o, o código diz que “o agente público não poderá valer-se de seu cargo ou da função para auferir benefícios ou tratamento diferenciado, para si ou para outrem, (...) nem utilizar os meios técnicos ou recursos financeiros que lhe tenham sido postos à disposição em razão do cargo”. Além do conjunto de normas, Cabral formou também uma Comissão de Ética Pública, composta de “notáveis da sociedade”, de fora do governo, que deve avaliar os casos. Um bom debate para eles: o pezinho de meia que Pezão garantiu aos familiares de sua mulher foi ético ou não?

Nenhum comentário: