sábado, 2 de julho de 2011

PEDÁGIO, A MALANDRAGEM ESTÁ NO CHIP


VIA RÁPIDA PARA O LUCRO

Uma empresa controlada por concessionárias de rodovias domina o rentável mercado de pedágio automático e enfrenta acusações de atuar como um cartel
ISABEL CLEMENTE, COM MATHEUS PAGGI
Revista ÉPOCA
Marcelo Min
DOMÍNIO 
Um posto de pedágio em estrada paulista. Nas concessões de rodovias em São Paulo, uma empresa monopoliza o mercado de pedágio automático 
Os serviços de pagamento automático de pedágio surgiram no começo dos anos 2000, como resultado da evolução tecnológica. Esses serviços oferecem aos motoristas que transitam por estradas privatizadas a possibilidade de não precisar parar nos postos de pedágios nem ficar preso em intermináveis filas às vésperas de feriados ou à espera de um simples troco. Ao instalar um chip no para-brisa de seu veículo, o motorista pode passar automaticamente pelas cancelas. O valor do pedágio é faturado mensalmente e pode ser quitado pelo cliente na data escolhida por ele. Para quem usa com frequência as estradas, o pedágio automático é uma comodidade que poupa tempo e, nos casos de transportadores de cargas, também gastos com freios e combustível.
Os serviços de pedágio automáticos são opcionais, mas se transformaram nos últimos anos no Brasil num excelente negócio. Nas estradas, o pagamento automático responde por mais de 60% da arrecadação dos pedágios. Esse mercado é amplamente dominado por uma empresa, a STP, que controla os serviços de pedágio automático Sem Parar, Via Fácil, Onda Livre e está presente em 46 estradas do país transferidas para a iniciativa privada. Em 2009, as três marcas de fantasias da STP arrecadaram, juntas, R$ 3,5 bilhões. No ano passado, depois de repassar a parte do pedágio que cabia às concessionárias das rodovias privatizadas, a STP faturou R$ 281 milhões. Se fosse uma concessão, a STP seria a segunda maior do país em receita, atrás apenas da Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.

   Reprodução
O domínio da STP está agora, porém, sob o ataque dos concorrentes e também dos especialistas em defesa da concorrência no mercado. “No lugar das autoridades brasileiras, eu estaria bastante preocupado porque essa empresa, a STP, é uma mistura de monopólio com cartel”, disse a ÉPOCA o advogado Mark Rosman, ex-chefe da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que esteve recentemente em São Paulo para participar de um fórum jurídico sobre concessões rodoviárias. As acusações de prática de monopólio e cartel se devem a dois motivos: 1) a STP é controlada por três das principais concessionárias de rodovias do país – a CCR, a EcoRodovias e a OHL; 2) nas concessões operadas por CCR, EcoRodovias e OHL, os concorrentes da STP não instalam suas antenas e não entram nas praças de pedágios.
As três concessionárias negam as acusações de prática de monopólio e cartel. Em nota, CCR, EcoRodovias e OHL afirmam que o serviço de pedágio automático é “opcional e de livre escolha” do usuário. Afirmam também que “não há qualquer impeditivo” à instalação de equipamentos de empresas concorrentes da STP em suas concessões. Apesar das negativas das concessionárias, a polêmica é alimentada pelas queixas dos concorrentes e de alguns usuários, como os transportadores de cargas, e por algumas distorções de mercado, como preços mais altos onde falta competição.
A principal concorrente da STP, a empresa DBTrans, que está presente em dez concessões de rodovias, disse a ÉPOCA que não consegue ampliar sua presença no mercado nacional de pedágio automático porque “não há interesse de grupos de concessionárias que entre um novo operador”. Em São Paulo, a STP, com suas bandeiras Sem Parar e Via Fácil, exerce, na prática, o monopólio nas 12 concessões de rodovia do Estado. Como monopólio é primo-irmão do preço alto, os serviços do Sem Parar/Via Fácil são os mais caros do país. O cliente interessado paga R$ 60,78 para aderir ao serviço, além de uma taxa mensal de R$ 10,84. “A taxa mensal cobrada pelo pagamento automático é um pedágio em cima do pedágio”, diz Norival de Almeida Silva, presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de São Paulo. Silva tem feito reclamações formais ao governo de São Paulo contra a STP e diz que recorrerá à Justiça se o problema não for resolvido.

JF DIORIO
DOIS NEGÓCIOS, UMA MARTELADA 
Cena do leilão de privatização de rodovias federais em 2007. Os espanhóis da OHL levaram cinco das sete estradas privatizadas e ampliaram a participação da STP no mercado de pedágio automático 
Onde há concorrência, o motorista encontra opções de serviços mais baratos. Um bom exemplo dos benefícios da competição é a Linha Amarela, no Rio de Janeiro. A única via municipal privatizada do país aceita três diferentes serviços de pagamentos automáticos de pedágio. Lá, o usuário pode escolher entre o Onda Livre (outra bandeira da STP), o Auto Expresso (operado pela DBTrans) ou o Passe Expresso (explorado pela concessionária da Linha Amarela).
O Onda Livre cobra uma taxa de adesão de R$ 61,57 e uma mensalidade de R$ 8,70. Quem opta por seu serviço leva a vantagem de poder usá-lo em quatro concessões no Estado do Rio onde a STP está presente. Para se servir do Auto Expresso, o cliente não precisa pagar taxa de adesão, apenas uma mensalidade de R$ 9,90. O Passe Expresso, da própria Linha Amarela, é o mais barato de todos. Cobra uma mensalidade de R$ 6,90. “É salutar que haja competição. Pagamento automático não é um monopólio natural como as estradas”, diz o procurador de justiça no Rio Grande do Sul Paulo Valério Dal Tai Moraes, professor de Direito do Consumidor. 
   Reprodução
Os órgãos de defesa da concorrência do governo federal analisaram a criação da STP. A empresa nasceu em 2003 quando a CCR e a EcoRodovias se juntaram à Catel, uma empresa de serviços, e depois incorporaram ao negócio uma empresa de pagamentos eletrônicos. Quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) finalmente aprovou a criação da STP em fevereiro de 2006, a realidade da empresa já era outra. Em 2004, os acionistas da STP convidaram mais concessionárias a participarem da empresa, e os espanhóis da OHL entraram no negócio. Em 2007, na última privatização de estradas federais feita no país, a STP ampliou ainda mais sua fatia no mercado de pedágio automático, graças à vitória da OHL. Com tarifas de pedágio tão baixas que até o governo se surpreendeu, os espanhóis levaram cinco das sete rodovias oferecidas. Procurado por ÉPOCA, o Cade disse que, diante das mudanças ocorridas no mercado, vai avaliar se há necessidade de uma investigação por parte dos órgãos de defesa da concorrência.
Por causa da concentração do mercado, atrasos estão ocorrendo na implantação nacional do Vale-Pedágio Eletrônico. O Vale-Pedágio é uma espécie de vale-transporte para empresas transportadoras de cargas, disponível também em cartão e papel. Na versão eletrônica, com chips instalados no para-brisa dos caminhões, abre cancelas de pedágio à distância, poupando gastos com freios e combustíveis. Em abril de 2009, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) baixou uma resolução com a determinação de que todas as concessionárias do país se adaptassem para aceitar o sistema da DBTrans, a concorrente da STP, em todas as praças de pedágio. A implantação do Vale-Pedágio Eletrônico, dizem os transportadores de carga, andou devagar até setembro de 2010, quando a STP começou a oferecer seu serviço, o Vale-Pedágio Via Fácil.
Mesmo depois disso, o cronograma estabelecido pela ANTT não está longe de ser cumprido. Sobre a atuação da STP, o superintendente da ANTT, Mario Mandolfo, diz que a agência não recebeu reclamações. “Se formos provocados, entramos na história.” Não é assim que a agência deveria atuar, dizem os especialistas. “Agências reguladoras agem de ofício. Não podem assistir a uma distorção do mercado sem fazer nada”, diz o advogado Cláudio Pinho, especialista do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos em Infraestrutura.
O pagamento automático de pedágio é uma evolução no serviço de estradas privatizadas, largamente usado em países desenvolvidos. A Noruega, por exemplo, começou a usar esse modelo em 1986. Na Austrália, várias empresas disputam esse novo mercado e oferecem preços diferenciados para atrair os motoristas, que podem aderir à bandeira que julgar mais conveniente e viajar por todo o país. Em Portugal também o sistema é todo integrado desde 1995 e não cobra pela adesão. No Brasil, os sistemas das poucas empresas concorrentes não são conectados, e, por isso, o motorista só pode usar o serviço nas áreas atendidas por seu provedor. O cliente da DBTrans não passa por uma estrada onde só opera a STP, e vice-versa. Um ex-dirigente de agência reguladora diz que é obrigação da ANTT acompanhar a evolução tecnológica dos serviços concedidos para garantir benefícios aos cidadãos. Atualização é uma exigência, aliás, dos contratos de concessão. Foi assim com a telefonia móvel e com a banda larga da internet. Não pode ser diferente nas estradas.

Nenhum comentário: