quarta-feira, 20 de abril de 2011

DIGITE O NOME DO PRODUTO E SAIBA SE ÊLE PRESTA

 







Digite o nome do produto e descubra se ele presta
Como o GoodGuide, um serviço gratuito de comparação de produtos, pretende forçar os fabricantes a ser mais transparentes com os consumidores
Francine Lima
Arquivo / Época
Francine Lima
Repórter de ÉPOCA, escreve às quintas-feiras sobre a busca da boa forma física
Esta semana conversei com o pessoal do GoodGuide, um site americano que avalia e compara, gratuitamente, três aspectos da qualidade dos produtos que normalmente o consumidor não consegue avaliar sozinho. Eles avaliam os mais diversos tipos de produtos, de biscoitos a desinfetantes, passando por papinhas de bebê. A partir das informações na embalagem e de algumas pesquisas feitas por terceiros, eles pontuam em que medida cada produto afeta nossa saúde, o meio ambiente e o bem-estar social.

Para saber o que o sistema “pensa” de um produto, basta digitar o nome desse produto no campo de busca do site, ou mesmo no Google. Ou então procurá-lo dentro de sua categoria num dos menus da página inicial. Se o produto estiver cadastrado no GoodGuide, a foto dele aparecerá ao lado de três notas, que correspondem a quão bom ou quão ruim ele é nesses três aspectos que mencionei acima. No caso dos alimentos, ele dá as notas mais altas aos itens mais saudáveis e discrimina os alimentos inegavelmente piores para a saúde. O sistema também faz comparações ótimas dentro de cada categoria de produto e fornece listas do tipo “as piores opções para o café da manhã”, que é para não ter dúvida, por exemplo, de que tipo de pedido do seu filho você deveria recusar prontamente.


Na avaliação nutricional, o GoodGuide é parecido com o NuVal, sistema que apresentei numa
matéria recente aqui na revista. Só que o NuVal está sendo usado por supermercados. O GoodGuide está na internet e num aplicativo para o iPhone, ou seja, pode ser consultado de qualquer lugar, a qualquer hora.

O GoodGuide surgiu em 2007 como um projeto acadêmico liderado pelo professor Dara O’Rourke, que dá aulas de políticas ambientais e laborais na Universidade da Califórnia. Hoje é uma empresa com fins lucrativos, com menos de 30 funcionários, que batalha para conseguir lucrar em cima de um serviço baseado em apontar o dedo para o que toda a indústria americana faz – de bom e de ruim. Segundo Josh Dorfman, responsável pelo marketing do GoodGuide, com quem conversei na terça-feira, o site já tem 100.000 produtos avaliados segundo 1.500 atributos e recebe 600.000 visitas por mês. Que eu saiba, não existe nada parecido no Brasil.


A seguir, ofereço a você duas entrevistas, que transcrevi quase na íntegra. A primeira é com Sheila Viswanathan, nutricionista do GoodGuide, que falou comigo sobre as avaliações dos alimentos. Em seguida, Josh Dorfman fala das dificuldades de transformar o site num serviço realmente útil, transformador da sociedade e também lucrativo. Boa leitura.


Entrevista com Sheila Viswanathan, nutricionista do GoodGuide:


Como começa o trabalho? Vocês compram todos os produtos que avaliam?
Éssa é uma ótima pergunta, que raramente nos fazem. Não, nós não compramos os produtos. A quantidade de produtos que avaliamos torna impossível comprar tudo. O que fazemos é colecionar dados.


As informações sobre os produtos vocês obtêm na internet?
A maioria. Em aguns casos, telefonamos para as fábricas pedindo mais dados. No caso dos alimentos, conseguimos tudo online.


Então os dados que vocês usam são aqueles que qualquer um pode ler no rótulo dos produtos? Nada mais?
Para calcular a nota do alimento, nós usamos a tabela nutricional, a lista de ingredientes e as alegações que aparecem na frente da embalagem. Por exemplo, consideramos se é um produto orgânico. Existe nos Estados Unidos uma organização que verifica quais produtos usam ingredientes geneticamente modificados, e nós usamos as informações deles também.


Análises laboratoriais para verificar a composição química dos produtos vocês não fazem?
Não.


Logo, para dar nota aos produtos vocês têm de partir do princípio de que o que está escrito na embalagem é verdade?
Nós consideramos que o que está escrito na tabela nutricional é legalmente considerado verdadeiro (pois segue o que a legislação manda). Mas as alegações de marketing na frente da embalagem são outra história. Nós não confiamos nelas para dar as nossas notas.


Que tipo de alegações de marketing são essas?

Frases como “melhora sua imunidade” ou “é saudável para o coração”. Não encaramos essas frases como fatos, e elas não intereferem na nossa avaliação de quão saudável ou nutritivo o produto é. Eu acredito que nossas notas ajudam justamente a desmascarar as alegações de marketing que tentam confundir o consumidor.

Há regras claras para essas alegações nos Estados Unidos?
Certamente há regras, mas também há brechas para que as fábricas consigam enganar os consumidores. As normas não são fortes o bastante para evitar isso. A regulação não é amigável ao consumidor; é amigável às indústrias.


Em quem o consumidor americano mais confia? No governo, nas indústrias, em programas como o Smart Choices (espécie de certificação de produtos “saudáveis”criado por um grupo de indústrias de alimentos, atuante no Brasil com o nome Minha Escolha) ou no GoodGuide?
Acredito que o Smart Choices estava indo bem até que alguns problemas aconteceram. Eles deram o selo para produtos claramente não saudáveis (como o colorido cereal Froot Loops, da Kellogg’s), e isso abalou sua credibilidade. Neste momento, me parece que o governo e as tabelas nutricionais são as referências mais confiáveis para o consumidor americano. Já os usuários do GoodGuide eu diria que confiam mais em nós do que no governo e nas tabelas nutricionais. Nós oferecemos um pouco mais de transparência. Mas ainda não somos conhecidos no país inteiro. Estamos trabalhando para isso.


E o que o GoodGuide faz que os outros não fazem e que o torna mais transparente?
Há dois motivos para considerar que proporcionamos mais transparência. Em primeiro lugar, nós olhamos para além dos nutrientes. Nós avaliamos os ingredientes, verificamos se é orgânico, se usa ingredientes modificados, quais os impactos do produto no meio ambiente e na questão social. Ou seja, avaliamos mais do que o impacto do alimento na saúde. O segundo motivo é que nosso serviço está todo online. Você pode pesquisar sobre qualquer produto às 3h da manhã. Não precisa esperar ninguém ligar de volta para você com a informação que você quer. E você pode saber na hora por que um determinado produto levou determinada nota no nosso sistema.

Não sei se o caso do Froot Loops foi um erro, mas já que agora sabemos que esse tipo de coisa pode acontecer, como nós, consumidores, podemos nos guiar melhor diante de tantas fontes de orientação do nosso modo de consumir alimentos? Como posso me certificar de que o GoodGuide não vai errar também?
Nesse contexto, escolher alimentos saudáveis é realmente desafiador. O Smart Choices dava um OK para, por exemplo, produtos cujo conteúdo de açúcar estivesse abaixo de um determinado limite, ou que contivesse um nutriente bom, como a vitamina C. O problema é que, quando você avalia um produto com base em um único nutriente, você fecha os olhos para os outros atributos desse produto. O GoodGuide avalia essencialmente a densidade de nutrientes. Nós comparamos tudo que o produto tem de bom com tudo que ele tem de ruim, e isso nos dá uma visão mais abrangente de quão saudável o alimento é.


Como os usuários têm reagido às avaliações do GoodGuide?
Bem, eu sou uma cientista por natureza. Adoraria poder fazer uma ampla pesquisa para verificar como os consumidores compram, como usam as notas, como o GoodGuide pode ajudá-los a melhorar a saúde. Mas infelizmente ainda não temos recursos para fazer isso. Por enquanto, temos algumas respostas qualitativas que mostram que pelo menos alguns usuários estão aprendendo um pouquinho mais sobre o que procurar nos alimentos. Até mesmo para quem, por exemplo, quer comprar batata chips, nós ajudamos a escolher a que é melhorzinha. Há pessoas que visitam nosso site que são completamente desligadas do que é um alimento saudável. Eles podem usar o sistema para começar a entender que os alimentos minimamente processados são melhores que os ultraprocessados. Também há aqueles que já sabem disso e estão procurando conselhos mais específicos. Entre os cereais matinais, por exemplo, há escolhas ótimas e outras muito ruins. Você pode usar o GoodGuide para encontrar o melhor.


Alguém já se sentiu ofendido com alguma avaliação de vocês?
Sempre aparece alguém que discorda, sim. Mas é mais comum que os usuários se sintam surpresos com algo que eles não imaginavam ser ruim – e gratos por ajudá-los a descobrir isso. Claro que há empresas que reclamam que deveriam ter recebido uma nota maior por seu produto. Também há consumidores que acreditam que deveríamos ter acrescentado atributos para alguns itens, normalmente atributos que nosso grupo de cientistas considera que ainda não estão comprovados.


Que tipo de informação as pessoas costumam achar mais difícil avaliar por conta própria – e que o GoodGuide ajuda a interpretar?
Acredito que o conceito de densidade de nutrientes, que mencionei anteriormente, é nossa maior contribuição na área de alimentos. Há muitos supermercados nos Estados Unidos agora com avisos nas prateleiras chamando atenção para o teor de ferro ou vitamina A nos alimentos, e dando destaque para produtos que alegam fazer bem para o coração. E o que acontece comumente é que o cliente vê aquilo, pensa ‘oh, isso faz bem para meu coração’, e leva o produto. Infelizmente, um produto bom para o coração pode conter também algo que não é tão legal e que não vai aparecer na chamada do supermercado. Há muita informação nutricional chegando até o consumidor, e as coisas mudam muito frequentemente. Fica mais fácil focar num nutriente só do que visualizar o conjunto todo. É o que estamos tentando mudar.


Como vocês avaliam os orgânicos? Eles necessariamente levam nota maior só por serem orgânicos?
Na comparação com os não orgânicos, sim. Por exemplo, um salgadinho orgânico pode ter nota maior do que um salgadinho não orgânico, mas nunca será mais saudável do que uma maçã não orgânica. Porque para nós o que mais conta é a densidade nutricional. Esse é o tipo de coisa que confunde muito os consumidores. Li um estudo que mostra que, para muita gente, o termo orgânico parece dar ao produto um efeito curativo. Mas só o fato de ser orgânico não torna o alimento automaticamente saudável nem dá motivos para consumi-lo a todo momento. Um biscoito orgânico será sempre um biscoito.


Por enquanto, tudo que vocês podem avaliar dos produtos industrializados é o que as indústrias divulgam. Vocês têm projetos de incluir nessa nota dados que não estão disponíveis para qualquer um? Por exemplo, sobre como são as estratégias de marketing?
Já pensei em incluir de alguma forma o marketing voltado para crianças na nossa avaliação, mas não na parte da saúde. Eu o incluiria na parte social, porque o impacto desse marketing é mais social. Mas esbarramos de novo na disponibildade de informações. Para caracterizar as práticas de marketing das empresas, precisaríamos ter informações sobre um grande número deles. Além disso, precisaríamos de uma pesquisa muito limpa sobre o que é o marketing bom ou ruim. Nos Estados Unidos, todas as empresas poderão dizer que suas ações de marketing seguem as normas do setor, e isso será verdade. Então nosso primeiro passo é distinguir o que é bom e ruim nas informações dos rótulos, e o segundo passo será coletar informações mais abrangentes de todas as empresas.


Você acredita que depende do governo facilitar que esse entendimento do que são os produtos seja mais preciso?

O governo poderia fazer mais. Em alguns países o governo trabalha mais nesse sentido. Não é o caso dos Estados Unidos.

Entrevista com Josh Dorfman, do marketing


Como o GoodGuide se sustenta? Vocês têm patrocínios e espaço para propaganda?

Somos uma empresa com fins lucrativos cuja missão é direcionar os consumidores para as boas empresas e facilitar que essas empresas contem sua história. Nós nos vemos como uma plataforma a ser estabelecida entre os consumidores interessados em fazer compras de acordo com os valores da responsabilidade ambiental, social e de saúde e as empresas que estão crescentemente comprometidas com serviços que atendem essas necessidades. E, sim, damos às empresas com melhores notas no GoodGuide a oportunidade de anunciar no nosso site. Frequentemente dizemos a essas companhias, especialmente aquelas que anualmente publicam seus relatórios de sustentabilidade e responsabilidade social, que elas gastam milhões de dólares por ano com esses relatórios que ninguém lê. Nós queremos que elas abram as informações mais relevantes desses relatórios para o público, de uma forma que os consumidores possam aproveitar na hora da compra.

Quem é que está gostando do que vocês estão fazendo e quer dar dinheiro para o GoodGuide?

Fabricantes de produtos orgânicos, por exemplo. A Phillips, fabricante de lâmpadas, cujo maior concorrente é a GE, ainda não é nosso anunciante, mas nos procurou bem feliz por ter levado uma nota maior que a GE no nosso site. Se eles quiserem anunciar conosco, ficaremos bem contentes. O que não aceitamos é dinheiro de empresas que pretendam, com isso, influenciar nossas avaliações. Quer dizer, não vendemos notas. Temos uma barreira de fogo nesse aspecto.

Além dos anúncios, temos investidores. Nossa empresa é uma de capital de risco (venture capital). Há seis meses, um novo time de administadores chegou aqui. Temos um novo CEO, um novo vice-presidente de desenvolvimento de negócios, um novo vice-presidente de marketing. Eles estão transformando o GoodGuide num negócio. O GoodGuide começou em 2007 essencialmente como um projeto acadêmico na Universidade da Califórnia, em Berkeley. No começo, a prioridade era fazer o trabalho científico funcionar, com precisão e credibilidade. Agora é que estamos indo atrás do faturamento.


O que é preciso fazer para esse empreendimento dar certo?

É um desafio. Em primeiro lugar, temos o desafio de oferecer um serviço útil. Nós vivemos num mundo não transparente. As empresas, mais do que frequentemente, não querem revelar o que está em seus produtos, quais são suas práticas de rotulagem, onde estão localizadas as suas fábricas. E, muito frequentemente, a legislação não as obriga a revelar essas coisas. Nós nos posicionamos bem em cima desses limites, tentando tornar o mundo mais transparente. Isso é muito desafiador. Com relação às nossas avaliações, podemos dizer com segurança que são precisas no sentido de apontar quais empresas estão fazendo os melhores produtos. Mas não podemos garantir com 100% de certeza que temos a nota exata para todos os produtos, pois não temos todas as informações necessárias para fazer uma análise completa. Em alguns casos, o produto pode levar uma nota baixa justamente por percebermos que o fabricante não está sendo transparente nas informações que disponibiliza.

Vocês já compararam as notas dos produtos com o quanto eles vendem?
Não exatamente. O que fazemos é procurar avaliar os produtos mais vendidos no mercado nacional. Temos de ter pelo menos os produtos que correpondem a 80% de market share em cada categoria. Mas é difícil avaliar todos os produtos. Há muitos produtos no mercado, e não temos dinheiro para contratar centenas de pessoas para fazer as análises. Procuramos na medida do possível incluir produtos de empresas menores e crescentemente estamos aceitando sugestões dos usuários e de empresas. Começamos recentemente a abrir votações no site para que as pessoas decidam se um determinado tipo de produto deve ser incluído nas avaliações. Estamos animados com essa novidade.


O GoodGuide é visto pelas empresas como uma ameaça?

Bem... Sim. Temos usuários fiéis que adoram o GoodGuide. Mas somos pouco conhecidos entre os consumidores. Até porque, até poucos meses atrás, não tínhamos departamento de marketing – eu vim para assumir essa parte aqui. Mas nas empresas nós somos bem conhecidos e vistos como um tipo de ameaça porque estamos forçando que elas sejam transparentes mais rapidamente do que elas se sentem confortáveis em ser. Elas têm medo de escancarar as informações porque, por muito tempo, o importante era guardar tudo em segredo. Mas o que temos visto é que, quando a empresa torna públicas as informações sobre seus produtos, só coisas boas acontecem. O market share não cai e os consumidores gostam. A SC Johnson, fabricante de produtos de limpeza muito conhecida no mercado americano, recentemente anunciou que abriria para o público os ingredientes que ela usa nos produtos, coisa que até agora ela não fazia por medo de ser copiada pela concorrência. A postura da empresa agora é de não ter nada a esconder. Essa é uma tendência que está começando. As empresas querem ser mais transparentes, mas se sentem ameaçadas pelo GoodGuide porque preferem fazer isso no ritmo delas, sem ser forçadas a agilizar o processo antes que estejam prontas. E nós dizemos: pior para vocês, pois a hora é agora e já estamos fazendo.

(Francine Lima escreve às quintas-feiras)

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