quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

VATICANO, O INFERNO NA TERRA


Entrevista: Antonio Socci

'Papa teria renunciado em 2012. Mas VatiLeaks o impediu'

Segundo jornalista italiano Antonio Socci, autor de 15 livros sobre a Igreja, Joseph Ratzinger queria deixar o papado logo depois de completar 85 anos

Gabriela Loureiro


Bento XVI, de 85 anos, anunciou, nesta segunda-feira, que deixará o pontificado em 28 de fevereiro em razão da idade avançadaO anúncio da renúncia do papa Bento XVI pegou o mundo de surpresa nesta segunda-feira. Ou quase todo o mundo. Para o jornalista italiano Antonio Socci, especializado em assuntos do Vaticano, a notícia era apenas uma questão de tempo. Em entrevista ao site de VEJA, Socci afirma que Bento XVI havia decidido renunciar logo após completar 85 anos, em 16 de abril de 2012. Um fator, contudo, acabou por adiar o anúncio: o escândalo VatiLeaks, descoberto em fevereiro do ano passado. Na ocasião, a Santa Sé denunciou o vazamento de documentos do Vaticano a meios de comunicação italianos, incluindo papéis que tratavam de duros enfrentamentos entre membros da Cúria, o planejamento de um atentado contra Bento XVI e a gestão do IOR, o banco vaticano.
Autor de 15 livros sobre a Igreja Católica, Socci escreveu em seu blog ainda em 2011 que Bento XVI decidira renunciar (aqui, confira o post original, em italiano). “O caso VatiLeaks atrasou o anúncio do papa, que tinha a intenção de renunciar logo depois de completar 85 anos”, afirma Socci. “Bento XVI  já havia dito que, quando a Igreja passa por uma turbulência, não é oportuno que o papa renuncie. Então, ele finalizou o caso concedendo o perdão a Paolo Gabriele[mordomo responsável por furtar os documentos] e, dois meses depois, renunciou, com 85 anos, como havia planejado, mas com quase um ano de atraso”. Nesta quarta-feira, Bento XVI celebra a missa da Quarta-Feira de Cinzas, que dá início ao período da Quaresma. Será sua primeira aparição pública desde o anúncio da renúncia.
Divulgação
O jornalista Antonio Socci
O jornalista Antonio Socci
Em fevereiro de 2012, o Vaticano denunciou a existência de uma espécie de WikiLeaks dentro da Igreja - em referência ao site de Julian Assange responsável por divulgar documentos sigilosos da diplomacia dos EUA. Os vazamentos - reunidos no livro Sua Santitá, de Gianluigi Nuzzi – provocaram o maior escândalo da Igreja nos últimos anos, sobretudo após a descoberta de que um dos envolvidos no caso era o próprio mordomo do papa, Paolo Gabriele, preso em maio. A partir daí, o mordomo foi julgado e condenado com uma velocidade de dar inveja à morosidade da Justiça italiana, enrolada há mais de dez anos com processos contra o ex-premiê Silvio Berlusconi. Em outubro, Gabriele foi condenado a 18 meses de prisão e, em dezembro, o papa perdoou seu ex-mordomo.
“O papa escolheu um momento relativamente tranquilo para a renúncia, mas agora a Igreja entrou novamente numa tempestade”, explica Socci. Curiosamente, Bento XVI escolheu um dia cheio de simbologias na crença católica. O dia 11 de fevereiro seria a data em que a Virgem Maria teria feito sua primeira aparição em Lourdes, na França. A data é, portanto, conhecida como o "dia dos doentes", uma vez que a Virgem de Lourdes é protetora dos enfermos. Para o jornal italiano Corriere della Sera, o dia foi escolhido a dedo.
Senectus ipsa est morbus (a velhice também é uma doença), já disseram os intelectuais do Império Romano Terenzio, Sêneco e Cícero. A justificativa para a renúncia de Joseph Ratzinger foi justamente sua idade avançada, que lhe tirou as forças para carregar o pesado fardo do cargo mais poderoso da Igreja. “O papa tinha um dever muito grande de difundir o evangelho no mundo, cada vez menos cristianizado, sempre mais laico”, diz Socci. Para o jornalista, a renúncia significa que a situação do interior da Igreja, em especial a Cúria Romana, é muito grave. “A cúria criava muitas dificuldades e não ajudava o papa", afirma.
Ratzinger, que disse uma vez haver muita sujeira na Igreja, não queria ser papa - e acabou por deixar sua obra incompleta. A renúncia de um papa nunca pareceu aceitável na prática, por significar o fim prematuro de uma missão divina confiada ao sumo pontífice. Mesmo assim, Bento XVI demonstrou coragem ao romper com a tradição da qual era considerado o mais feroz protetor.

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