18/01/2013
às 14:00 \ Política & CiaSeios siliconados, mansões, apartamentos pagos em dinheiro vivo, joias, secretárias particulares: as mulheres de bandidos cariocas que cumprem pena gastam dinheiro a rodo — e ajudam os maridos a tocar seu negócio criminoso
Publicado originalmente em 25 de maio de 2012.
(Reportagem de Leslie Leitão publicada na edição impressa de VEJA)
Bandidos
HERDEIRAS DO TRÁFICO
Os inquéritos policiais não deixam dúvida: as mulheres dos chefões da bandidagem carioca, hoje presos, usufruem à vontade suas fortunas e são essenciais para garantir a continuidade dos principais redutos do crime no Rio
O grupo de mulheres a seguir vem acumulando dinheiro e poder nos principais QGs da bandidagem carioca depois que seus maridos, figuras do alto escalão na hierarquia do crime, foram parar na prisão.
Do lado de fora, são elas que zelam pelo patrimônio que eles amealharam e continuam a acumular, mesmo encarcerados – em alguns casos, há anos.
A lógica da reprodução do dinheiro sujo não varia muito de um caso para o outro. Essas mulheres encabeçam verdadeiras “lavanderias” constituídas de pequenos negócios fincados nas favelas onde vivem e mandam, não raro com mãos de ferro. Também esparramam os tentáculos dos impérios criminosos que representam pelo mercado imobiliário, comprando e revendendo imóveis no Brasil inteiro com a ajuda de redes de laranjas. E servem de leva-e-traz da prisão.
Mesmo na cadeia, os grandes bandidos cariocas continuam mandando no tráfico
“As primeiras-damas do tráfico são, em geral, guardiãs zelosas e aplicadas dos impérios erguidos por seus maridos, quando não ocupam posição de destaque nas quadrilhas”, diz o delegado de polícia Luiz Alberto Andrade, que investigou quatro das cinco mulheres que aparecem nestas páginas e levou três à prisão.
Elas aguardam em liberdade o andamento de processos que se arrastam na Justiça, quase sempre sob a acusação de lavagem de dinheiro e, às vezes, também de associação com o tráfico. Suas histórias, bem detalhadas nos inquéritos aos quais VEJA teve acesso, não só desvendam sua trajetória no mundo do crime como escancaram uma realidade incômoda.
Mesmo na prisão, os grandes bandidos cariocas permanecem no comando do tráfico nas favelas, inclusive naquelas recém-ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, como Rocinha e Complexo do Alemão. Com uma vida cercada de luxos, elas ajudam a garantir aos marginais com quem se uniram o essencial: a continuidade.
Conheça algumas dessas mulheres de bandidos:
A “juíza”
Flávia dos Santos Lima, 37 anos, nunca se preocupou em esconder os sinais da riqueza que acumulou como “primeira-dama” de Vila Cruzeiro, favela da Zona Norte, um dos mais lucrativos redutos do crime no Rio de Janeiro. Ao contrário.
A mulher do bandido que ordenou o abate de um helicóptero da Polícia Militar, Fabiano Atanásio da Silva, o FB, hoje preso, adora ostentar suas correntes de ouro, várias ao mesmo tempo, e exibir pilhas de dinheiro vivo no meio da rua. Certa vez, apareceu em uma concessionária disposta a sair de carro novo. “Em questão de minutos, ela pagou 100 000 reais em espécie por uma caminhonete preta”, conta um dos investigadores, que prendeu a moça dois meses atrás.
Assídua cliente de clínicas de estética
FB continua na prisão, mas a mulher, que responde a um processo por associação com o tráfico e lavagem de dinheiro, já está livre, cuidando e usufruindo do patrimônio do marido, com quem tem dois filhos. Seu nome consta da clientela assídua de clínicas de estética povoadas por celebridades e sobrenomes da alta sociedade carioca (Flávia não nega: fez lipoescultura, pôs silicone nos seios e aplicou Botox).
Antes de a Justiça ordenar o sequestro de bens de FB, ela ainda conseguiu embolsar 500 000 reais pela venda de uma casa em Peruíbe, no litoral paulista, que estava em seu nome. Moça de boa lábia, costumava ser apresentada pelo marginal como “juíza”. Assim, ajudou a acobertar um dos grandes bandidos da cidade e fez negócios por meio dos quais o dinheiro do tráfico foi sendo lavado e o império do marido, mantido a todo o vapor.
Ninguém mexe com a mulher do chefe
Depois de se unir ao traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, bandido número 1 da Rocinha, Danúbia de Souza Rangel, 28 anos, virou “Xerifa”, apelido que ela preza e cultiva. Chegou a ser presa, acusada de lavagem de dinheiro e associação com o tráfico, logo depois da captura do marido, episódio que culminou na tomada da favela pela polícia, em novembro passado.
Mal se reconhecia Xerifa presa a um par de algemas, no lugar dos habituais penduricalhos cravejados de brilhantes, e com os cabelos no marrom original – e não mais pintados de amarelo-ouro, sua marca registrada.
Há dois meses, conseguiu a liberdade por meio de um habeas corpus, decisão da qual o Ministério Público recorre. Ela aproveita à vontade o dinheiro que o marido juntou e continua a faturar com a venda de drogas no QG do crime ainda comandado por ele, a distância. Os dois inquéritos dos quais Danúbia foi alvo dão detalhes de como tem vivido cercada de luxos e regalias que o posto de “primeira-dama” do tráfico lhe garante.
Ela tem quatro bandidos em seu currículo
Já foi flagrada ao embarcar em um helicóptero só para ver a Cidade Maravilhosa de cima (1 500 reais o passeio, na foto acima). Uma vez, reservou numa loja 5 000 reais em peças para o enxoval da filha de 2 anos que tem com Nem. Pendurou tudo na conta de um laranja, que só passou lá para acertar a dívida.
Suspeita-se que, em seus périplos por São Paulo e Paraná, ela também tenha ido às compras no mercado imobiliário. Na Rocinha, lidera o Bonde da Bate-Bola (uma “associação” de mulheres dos comparsas de Nem) e desfila em saltos agulha trazendo sempre ao pescoço um cordão ornado com a letra N, homenagem ao marido.
Ali, Danúbia é rainha. Depois de cinco anos de união com o marginal, o quarto bandido de seu currículo matrimonial, Xerifa ouve por onde passa: “Não olha. Não mexe. Quem está passando é a mulher do chefe”. A polícia sabe que ela ainda está lá, de olho em tudo e em todos, mais discreta, mas não menos vaidosa.
A dona da “lavanderia”
É bem raro ver Márcia Gama dos Santos Nepomuceno no Complexo do Alemão, conjunto de favelas da Zona Norte onde seu marido, Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, permanece no comando da mais poderosa célula criminosa do Rio de Janeiro – mesmo estando preso desde 1996.
Ela vive em uma mansão com os quatro filhos do casal, numa propriedade protegida por uma muralha de 3 metros de altura e cerca elétrica no bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste da cidade (foto acima).
Com carrão e secretária, ela lava o dinheiro do marido
Anda sempre a bordo de um carrão diferente, com o secretário particular a tiracolo, adora roupas de grife e vai aos restaurantes da moda. Certa vez, cismou de querer um diploma universitário, e entrou em uma faculdade de Direito (não exerce a advocacia).
Aos 36 anos, há mais de vinte unida ao chefão do Complexo – a quem visita no presídio de segurança máxima de Porto Velho, em Rondônia, pelo menos uma vez por mês -, Márcia mantém andando o esquema de lavagem do dinheiro do bando que é reservado ao marido.
Segundo o inquérito número 06761/2008, a “lavanderia” se dá por meio de pequenos negócios, entre eles uma farmácia, um salão de beleza e um supermercado que ficam no Alemão. Márcia chegou a ser presa em 2010, mas foi logo solta e responde em liberdade à acusação de lavagem de dinheiro.
Vez ou outra, baixa na favela para mostrar quem manda. Em conversa interceptada pela polícia, desancou um integrante da gangue de Marcinho VP que havia lhe enviado menos dinheiro do que o combinado. Aos gritos, Márcia esclareceu: sua “semanada” era de 25 000 reais, e não de 15 000, quantia que queriam lhe pagar. Nunca mais erraram na conta.
O reinado de horrores de Dona Deise
O inquérito número 08396/2010 é um calhamaço de 300 páginas que elenca um rol de atrocidades levados a cabo pela quadrilha de Vila Vintém, favela da Zona Oeste do Rio para onde parte da gangue da Rocinha se bandeou.
Na liderança desse que se transformou num dos principais entrepostos de droga da cidade está uma figura temida pelo sangue-frio com que trucida os inimigos e comanda chacinas que espalham o horror pelas vielas: Deise Mara de Sousa Rodrigues (na foto com uma bolsa Louis Vuitton falsa), 49 anos, atual chefe do braço criminoso fundado por seu marido, Celso Luís Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, preso há dez anos.
Testemunhas-chave, por medo, somem ou mudam de versão
Na favela, ela se instalou com as duas filhas do casal em um casarão com piscina, churrasqueira e enfeites macabros, como a escultura de um demônio que dá as boas-vindas a quem vai ali lhe prestar contas.
Deise vigia cada centavo. Segundo a polícia, o cérebro da quadrilha ainda é o marido, a quem conheceu na adolescência e que lhe dá instruções sobre como conduzir as coisas nas visitas ao presídio de Bangu IV, no Rio. Dona Deise, como é mais conhecida, costuma andar com a escolta de quatro policiais a quem paga por proteção.
Pelo curso da investigação, ela e mais vinte que tocam a barbárie no morro podem acabar na prisão por lavagem de dinheiro e associação com o tráfico. Mas Deise tem um trunfo: tomadas de medo, testemunhas-chave costumam abrandar suas histórias ou mesmo sumir. Isso ocorreu no mês passado, quando uma pessoa que acusava Deise do assassinato do próprio sobrinho mudou subitamente sua versão.
Foragida havia um ano, a chefona pôde então voltar a caminhar à vontade por seus domínios.
A garota de Ipanema que veio de Antares
Paula Fernanda Vieira, 28 anos, tem uma boa veia para os negócios. Em 2008, arrematou numa tacada dois apartamentos de 150 metros quadrados cada um em Ipanema, um dos bairros mais valorizados do Rio.
Usou duas senhoras como laranjas e liquidou a conta, de 800 000 reais, com notas de 10 e 20 reais. Tentava vender os dois imóveis no mês passado, pelo triplo do que pagou, quando a Polícia Federal sequestrou os apartamentos, no curso da operação batizada de Garota de Ipanema.
Três dias com o marido bandido na cadeia, sem serem incomodados
Estão na mira da PF mais bens da moça, incluindo uma loja de roupas, um salão de beleza e duas farmácias na favela, além de outros apartamentos pela cidade e até fazendas fora do Estado. Tudo em nome de um farto “laranjal”, como aponta a investigação policial.
Ela ganhou relevância na hierarquia do crime em 2005, depois que seu marido, Márcio Batista da Silva, o Dinho Porquinho, chefe na favela de Antares, na Zona Oeste, foi capturado em Fortaleza. É até hoje um dos bandidos mais poderosos do Rio. Do quinhão dele, Paula cuida bem.
Casada com o marginal há uma década e mãe de dois filhos, como as outras mulheres que ilustram esta reportagem ela responde fora da prisão pelo crime de lavagem de dinheiro. Nos últimos tempos, ninguém sabe exatamente por onde anda. Depois que foi vítima de um sequestro engendrado por um grupo de policiais corruptos – aos quais pagou 400 000 reais em dinheiro vivo pela liberdade -, a “primeira-dama” de Antares foi vista em Itamaracá, Pernambuco, onde Dinho está encarcerado e, sabe-se, tem lá suas regalias.
A visita à prisão durou três dias. E o casal não foi incomodado.
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