domingo, 16 de setembro de 2012

R$ 60 BILHÕES SERÃO INVESTIDOS PELA INDÚSTRIA AUTOMOBILISTICA NO BRASIL


Setor automotivo desbanca siderurgia em investimentos

Estimuladas pelos incentivos do governo à indústria, montadoras pretendem investir R$ 60 bilhões nos próximos quatro anos


16 de setembro de 2012 | 3h 07
RENÉE PEREIRA, LUIZ GUILHERME GERBELLI - O Estado de S.Paulo
As incertezas sobre o futuro da Europa e a desaceleração da China têm provocado uma mudança de rumo nos investimentos do Brasil. Enquanto setores dependentes do mercado internacional, especialmente os ligados a commodities metálicas, pisam no freio, atividades mais focadas na demanda doméstica não perdem tempo. O setor automobilístico, por exemplo, desbancou a siderurgia no ranking de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Nos próximos quatro anos, as empresas automotivas vão investir R$ 60 bilhões. A siderurgia, que já foi respondeu por 70% dos desembolsos do BNDES na década de 60, caiu para a quarta colocação especialmente por causa das incertezas sobre o crescimento da China.
Os investimentos na área de petróleo e gás, responsáveis por 40% do total da indústria, vão continuar na liderança por longo tempo, especialmente por causa do pré-sal, avalia o economista do banco, Fernando Puga. Mas, dessa linha pra baixo, a dinâmica dos investimentos tem potencial para transformações, dependendo do avanço do crédito, emprego e renda no Brasil.
Em 2008, a expectativa do BNDES era de que a taxa de investimento atingisse 21% ou 22% do Produto Interno Bruto (PIB) em quatro anos. Na época, diz Puga, o ritmo de investimentos estava tão forte que, mesmo com a eclosão da crise mundial, a taxa já alcançava 20% do PIB. Mas as previsões não se confirmaram. Os quatro anos acabaram sendo estendidos em cerca de dois anos: a expectativa é de que o Brasil apenas chegue aos 22% em 2014.
Dessa vez, no entanto, o caminho será mais complicado. Ao contrário de 2008, quando todos os setores da economia estavam investindo pesado, especialmente as empresas de commodities metálicas, agora quem deve fazer diferença são as áreas voltadas para o consumo das famílias, explica Puga. E, nesse quadro, o setor automobilístico saiu na frente e inaugurou seu terceiro ciclo de investimentos no País.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o nível de motorização do Brasil justifica o volume de capital previsto para os próximos anos. Na Europa, há 1 veículo para cada 1,7 habitante; nos Estados Unidos, 1 por pessoa; e na Argentina, 1 para cada 4 pessoas.
No Brasil, essa relação é de 1 para cada 6 habitantes. Ou seja, poucos mercados no mundo têm potencial de crescimento tão atraente como o brasileiro, diz a Anfavea. Outro ponto positivo é que o investimento do setor automotivo se multiplica na cadeia de fornecedores, que conta com mais de 200 mil empresas no País.
Custo Brasil. Na avaliação de Puga, assim como o automotivo, o setor de eletroeletrônicos também tem boas perspectivas e pode surpreender. As medidas de estímulo anunciadas pelo governo federal, como a desoneração da folha de pagamento e a redução dos custos de energia em até 28% para a indústria, devem contribuir para a retomada de setores que até então não viam perspectiva positiva de crescimento.
"O cenário para a indústria de transformação teve uma boa melhora com as medidas. Mas ainda há obstáculos a serem superados", destaca o economista de análise setorial da consultoria Tendências, Adriano Pitoli.
Para ele, o desafio da competitividade é tão grande que está longe de ser resolvido. O chamado custo Brasil pune as empresas nacionais que não conseguem competir com o produto importado. Cria-se, assim, um círculo vicioso difícil de ser quebrado. Com mais produto importado, as empresas deixam de investir, perdem produtividade e dão espaço para as importações.
A indústria têxtil e de calçados estão entre as que mais sofrem com a invasão de produtos estrangeiros, especialmente da China. "Até 2011, as importações estavam crescendo 40% ao ano. Neste ano, recuaram para 20%, mas ainda assim é alto. Aqui temos leis trabalhistas e regras de segurança mais rigorosas. Na Ásia, ou não há regra ou elas são mais flexíveis", diz o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel.
Na indústria calçadista, a concorrência com importados provocou a redução de 11,5 mil postos de trabalho nos últimos 12 meses. "Na essência, o que o setor enfrenta é praticamente a mesma reclamação de outros setores: alta carga tributária e a concorrência internacional predatória", afirma Rogério Augusto Dreyer, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
Ele também destaca o chamado custo Brasil, com tributos excessivos para exportação. Na avaliação de Dreyer, as recentes ações do governo federal - como a redução do preço da energia elétrica e a manutenção do dólar acima de R$ 2 - são positivas, mas o setor precisa de mais.
Na opinião do economista do BNDES, a indústria química, de papel e celulose e siderurgia, além de outras indústrias eletrointensivas (que consomem muita energia), serão beneficiadas pelos incentivos anunciados. Mas, para alguns deles, de nada vai adiantar se o ambiente internacional não melhorar.
"O crescimento da China continuará causando incerteza e há uma boa probabilidade de mais investimentos serem postergados no Brasil", diz Adriano Pitoli, da Tendências. No setor siderúrgico, o desaquecimento das principais economias fez com que o excedente de aço alcançasse 526 milhões de toneladas. Isso equivale a 15 vezes a produção brasileira e a 25 vezes o consumo nacional. No País, a sobra de capacidade está em 68%, segundo o Instituto Aço Brasil.
"Se no mercado interno eu tenho sobra de 60% e no mercado internacional há um excedente monumental, a pergunta que eu faço é: Eu vou investir por quê?", questiona Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil. Segundo ele, a expectativa é que os investimentos possam melhorar com a chegada da Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e a retomada efetiva do Minha Casa, Minha Vida.
A paralisia do mercado siderúrgico também pode ser analisada pelo lento avanço do consumo per capita. Em 1980, era de 100,6 quilos por habitante. Em 2011, foi de 130,1. "A grande demanda do setor, inclusive para pensar em investimento futuro, é o crescimento do mercado interno de forma sustentável, a defesa comercial adequada e a correção das assimetrias competitivas."

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