domingo, 26 de fevereiro de 2012

É ESTELIONATO?


Deputados em Minas usam verba indenizatória para pagar advogados em causas particularesBoa parte dos deputados usa a verba indenizatória para contratar advogados. O curioso é que os mesmos profissionais defendem os parlamentares em ações sem relação com o mandato

Publicação: 26/02/2012 07:39 Atualização: 26/02/2012 08:11
Quarenta e três deputados estaduais mineiros gastaram ao longo de 2011 exatos R$ 1.422.913,47 da verba indenizatória com a contratação de advogados. O valor seria apenas mais uma despesa para o bolso do contribuinte se a maior parte do dinheiro – R$ 854.598,00, gastos por 23 parlamentares – não fosse usada para contratar como consultores jurídicos profissionais que também os defenderam ou ainda os defendem em ações cíveis, criminais e eleitorais sem qualquer relação com o mandato.

Os recursos saíram dos cofres públicos a título de “consultoria, assessoria e pesquisa”, um dos itens permitidos para uso da verba indenizatória de R$ 20 mil a que eles têm direito todos os meses. A justificativa é sempre a mesma: orientação jurídica na elaboração de projetos de lei e pareceres técnicos para as comissões temáticas. Curiosamente, o gasto é efetuado quase mensalmente, mesmo os parlamentares tendo à sua disposição 85 consultores de 10 áreas custeados pela Assembleia Legislativa. No ano passado, o grupo realizou 7.011 consultorias, entre minutas de proposições ou pareceres sobre matérias em tramitação – mesmo tipo de serviço prestado pelos advogados contratados pelos gabinetes.


A Deliberação 2.446/2009 da Assembleia Legislativa permite o gasto de verba indenizatória com escritórios de advogados, desde que o serviço prestado tenha relação com “atividade inerente ao exercício do mandato parlamentar”. Para a indenização é exigido do deputado apenas o currículo do profissional contratado, e em caso de pessoa física o comprovante do recolhimento mensal do Imposto de Renda (IR) sobre o respectivo serviço. O limite com consultoria é R$ 5 mil mensais. Os parlamentares não costumam economizar nesse gasto.

A deputada Ana Maria Resende (PSDB) é um exemplo disso. Entre março e novembro do ano passado ela destinou R$ 5 mil mensais para o escritório Menezes Consultores e Advogados Associados, somando uma despesa de R$ 45 mil. Os profissionais do grupo defenderam o marido dela, o deputado federal Jairo Ataíde Vieira (DEM), em mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) em que alegava ter o direito de ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados como primeiro suplente da coligação que o elegeu. Na ocasião foi discutido se a ordem de convocação de suplentes seria pelo partido ou pelo grupo que disputou as eleições.

O deputado Sargento Rodrigues (PDT) parece muito satisfeito com a defesa feita pelo advogado Antônio Vicente Coelho Campos em dois processos que ele entrou, um no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (já encerrado) e um recurso que está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), envolvendo ação penal movida no Tribunal de Justiça Militar (TJM). Tanto que o parlamentar manteve contrato de consultoria com o advogado entre fevereiro e dezembro de 2011, totalizando um custo de R$ R$ 55 mil. Impressão semelhante deve ter o colega de plenário Jayro Lessa (DEM). O mesmo escritório que o defende em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público no Tribunal de Justiça e o representa em processos tributários em tramitação na Justiça Federal foi o escolhido para prestar serviços ao seu gabinete ao custo de R$ 35 mil: o Cursage & Molisani Advogados Associados.

Um pouco mais, R$ 55 mil, gastou Antônio Genaro (PSC) para a consultoria do escritório Moreira Alves Advogados Associados, o mesmo que contratou para representá-lo em ação trabalhista no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em ação de prestação de contas da campanha de 2010 na Justiça Eleitoral e uma apelação cível no TRF.

Os petistas Durval Ângelo e Elismar Prado optaram por contratar como consultor o escritório Lobo Leite Sociedade de Advogados. Em 2011 eles gastaram R$ 90 mil com profissionais que auxiliam o PT em ações judiciais e que também advogam para eles. Durval Ângelo responde a uma ação cível no TJMG, e Elismar Prado a uma ação de prestação de contas de campanha, iniciada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) e que agora tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Há ainda deputados que contrataram o mesmo escritório. Um deles, o Mateddi Maziero Advogados Associados presta serviços para cinco parlamentares: Sávio Souza Cruz (PMDB), Tadeuzinho Leite (PMDB), Antônio Júlio (PMDB), Ivair Nogueira (PMDB) e Paulo Lamac (PT). Profissionais do escritório advogam em várias ações judiciais que têm entre as partes o PMDB, partido de quatro de seus clientes na Assembleia Legislativa. Somente com eles os advogados receberam em 2011 R$ 142, 2 mil. Do petista, a quem defendem em ação em que é acusado de usar indevidamente a verba indenizatória recebida enquanto era vereador em Belo Horizonte, foram outros R$ 40 mil.

Consultores chamados de incompetentes 

A culpa é da Assembleia. Essa é a visão dos deputados ouvidos pela reportagem, que justificaram o gasto da verba indenizatória com advogados alegando incompetência ou insuficiência dos consultores disponibilizados pela Casa. Outra alegação é de que precisam de um serviço personalizado. E sobre a “coincidência” das contratações de profissionais que os defendem judicialmente, a justificativa é de que são competentes para ambas as funções.

É o caso do deputado Sargento Rodrigues, que contrata o advogado Antônio Vicente Coelho Campos para consultoria e sua defesa. O parlamentar afirmou que a consultoria do Legislativo “não atende à altura”. Segundo ele, os técnicos da Casa são insuficientes e sobrecarregados de trabalho. “Tem projeto que peço parecer como relator em comissão e demoram a liberar. Já reclamei isso”, acrescentou. Questionado sobre a contratação para fins judiciais, Rodrigues respondeu, irritado, que a pergunta era desrespeitosa, e garantiu que o pagamento para ações não vem da verba indenizatória, mas de sua conta particular. “Por que vocês não questionam as verbas do Ministério Público ou do Judiciário?”, rebateu.

O deputado Jayro Lessa (DEM) argumentou que um profissional contratado por ele “não é a mesma coisa” que os consultores da Assembleia que, segundo ele, não são advogados. Neste caso, parece desconhecer que para o cargo de consultor é exigido diploma de bacharel em direito e inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. “O José Geraldo não é advogado, é formado em informática”, afirmou, se referindo ao secretário-geral da mesa que, além de não ser consultor, é também formado em direito. Questionado em seguida se os funcionários da Casa não serviriam, minimizou: “Servem, dependendo do caso”. Lessa disse que os advogados são contratados pelo seu grupo de empresas e pagos por elas. “Contratei porque considero bons, trabalham comigo há muitos anos”, disse.

O petista Elismar Prado alegou precisar do apoio adicional por ter uma “demanda gigantesca” e a Casa não oferecer o serviço em todas as áreas necessárias. “Tenho uma atividade intensa, sou o deputado que mais tem projetos, talvez por isso precise de uma consultoria maior”, afirmou. A advogada Edilene Lobo também atua em seu processo de prestação de contas na Justiça Eleitoral. Segundo Elismar, ela trabalha para vários partidos no período eleitoral, inclusive para o PT, e é paga de outra forma. “Muitas vezes ela presta serviço para o partido e faz o trabalho para todos da agremiação. Ela tem seu escritório e o direito de prestar esse outro serviço”, disse.

O deputado Ivair Nogueira (PMDB) alegou que o escritório contratado por ele presta serviços de análise e acompanhamento de projetos. “Você pode ter uma consultoria jurídica com uma análise diferenciada dos consultores da Assembleia.” Ele diz ter optado por esses profissionais por eles já fazerem trabalhos para o PMDB e o defenderem em uma ação eleitoral. “São muito bons”, atesta. Ivair garante que tirou do próprio bolso os honorários pagos pela ação judicial, mas se negou a revelar o valor. Procurados, os deputados Ana Maria Resende (PSDB) e Antônio Genaro (PSC) não foram encontrados.

"Análise é subjetiva"

O diretor de Processo Legislativo da Assembleia, Sabino Fleury, rebateu as afirmações dos parlamentares: segundo ele, a “incompetência” dos consultores é uma análise “subjetiva”. “Há trabalhadores de pior e melhor qualidade, como existem em qualquer área e lugar do mundo”, disse. Mas Sabino lembrou que os profissionais foram todos aprovados em um concorrido concurso público e a maior parte tem especialização, mestrado ou doutorado na área em que atuam. Uma exigência aos consultores jurídicos é a formação em direito. Em relação à insuficiência do número de consultores, o diretor reconheceu que a demanda vem crescendo a cada ano e o quadro de contratados não vem acompanhando esse ritmo. 

Honorários

Ao longo de 2011, os deputados estaduais gastaram R$ 1.422.913,47 com consultoria prestada por advogados.
A maior parte do valor (R$ 854.598) remunerou profissionais que já os defenderam ou defendem em ações judiciais.

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