sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

IMPRESSIONANTE! SE UM DEMOCRATA OU DITADOR QUISEREM MANTEREM-SE NO PODER " NÃO DÊM EDUCAÇÃO AO POVO"...

Bruce Bueno de Mesquita e Alastair Smith: “Khadafi caiu porque foi bom demais”

Os autores do livro “O manual do ditador”, sobre como tiranos se perpetuam, dizem que o líder líbio foi derrubado violentamente porque deu educação e saúde a seu povo

FELIPE PONTES
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OBJETIVOS IGUAIS Smith (à esq.) e Mesquita na Universidade de Nova York. Para eles, democratas e ditadores usam meios diferentes para atingir o mesmo fim, o de permanecer no poder (Foto: divulgação)

Os ditadores depostos até agora pela primavera Árabe – Zine Ben Ali, da Tunísia; Hosni Mubarak, do Egito; Muammar Khadafi, da Líbia; além de Ali Saleh, do Iêmen, que prometeu entregar o cargo ao vice – só caíram por incompetência própria. É o que dizem o americano Bruce Bueno de Mesquita (o sobrenome é herança de antepassados portugueses) e o britânico Alastair Smith, cientistas políticos da Universidade de Nova York e autores do livro The dictator’s handbook – Why bad behavior is almost always good politics (O manual do ditador – Por que mau comportamento é quase sempre boa política, sem previsão de lançamento no Brasil). Eles afirmam a ÉPOCA que democratas e autocratas são parecidos e citam cinco regras que todo tirano deveria seguir para ficar no poder. Segundo os autores, Khadafi descumpriu uma: nunca favorecer o povo em detrimento de sua base de poder.
ÉPOCA – Os senhores dizem em seu livro que a lógica em democracias e ditaduras é praticamente a mesma. Por quê?
Bruce Bueno de Mesquita –
 Temos uma noção bem básica de liderança: os líderes querem manter seu emprego e, para tanto, precisam agradar às pessoas a seu redor. Com isso, a noção do que é uma democracia ou uma ditadura torna-se arbitrária. O que diferencia um democrata de um ditador é o número de pessoas que ele recompensa para se garantir no topo – e suas principais decisões dependem exclusivamente disso. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem de responder a um grupo enorme de pessoas quando formula sua política – isso se ela quiser ser reeleita. Durante a ditadura, os militares brasileiros tinham de responder a pouquíssimas pessoas. Isso não é uma visão radical nem pragmática. É uma maneira racional de enxergar o mundo.
ÉPOCA – Que princípios básicos todo líder deve levar em conta para ficar no poder?
Mesquita –
 Um líder quer depender do mínimo possível de pessoas, gastando somente o necessário para comprar sua lealdade. Um ditador pode recompensar um pequeno grupo de líderes militares e oficiais civis para eles fazerem o que ele quiser. Mesmo assim, todo autocrata sempre precisa deixar claro que seus aliados podem ser facilmente substituídos para ter o controle da situação em suas mãos. Numa democracia, em que o líder precisa recompensar a população e seus aliados, essa distinção se torna menos nítida. Como um democrata não pode subornar milhões, é obrigado a produzir leis efetivas para beneficiar a todos e, assim, ser reeleito.
ÉPOCA – O ex-ditador líbio Muammar Khadafi fez muitas coisas citadas no livro, mas seu fim foi trágico. O que deu errado?
Alastair Smith – 
Citamos cinco regras no livro: tenha poucos aliados para concentrar o poder; faça-os saber que podem ser trocados facilmente; controle as receitas do país; recompense bem seus aliados para manter sua lealdade; e nunca seja bom com o povo à custa de sua pequena aliança. Khadafi violou a última regra e caiu porque foi bom demais com seu povo. Ele tinha uma das populações mais educadas no Oriente Médio e norte da África, e o país apresentava níveis altos de desenvolvimento humano e saúde. Khadafi não precisava ter uma população educada. Sua fonte de poder político vinha do petróleo, muitas vezes extraído por companhias estrangeiras, e assim ele comprava sua lealdade. Khadafi também tinha uma das maiores restrições à imprensa entre os países do norte da África, mas relaxou-a substancialmente nos últimos cinco anos. Isso lhe custou caro, pois permitiu que as pessoas se insurgissem contra ele. Sem contar que, no decorrer dos anos, ele irritou muitos países-membros da Otan (aliança militar do Ocidente). A Otan teve prazer em ajudar os rebeldes a se livrar dele.
ÉPOCA – A Líbia terá uma transição pacífica?
Smith –
 Não. O principal problema é que o país tem uma fortuna de bilhões de dólares em petróleo. Quem chegar ao poder descobrirá que é muito mais fácil favorecer poucos e reter poder do que compartilhar todo o dinheiro com o povo. Suspeito que um futuro líder vá somente esperar a Otan sair de cena para depois comprar a lealdade do Exército, atrair grupos rebeldes e monopolizar o uso da força. Em seguida, poderá facilmente se livrar de quem não precisa mais. Algumas lideranças rebeldes, deixadas de lado, serão processadas por crimes ou assassinadas. Tentando revidar, surgirão focos de guerra civil, mas serão eliminados. O cenário mais provável será violento e sangrento.
ÉPOCA – Depois de Ben Ali, Mubarak e Khadafi, a Primavera Árabe derrubará mais ditadores?
Smith –
 Bashar al-Assad não deverá aguentar por muito mais tempo na Síria. O governo está sem recursos, enfrentando um deficit enorme. Sem dinheiro, é muito difícil comprar a lealdade dos militares que reprimem o povo. O regime está numa posição desconfortável. Assad precisará fazer reformas liberais para encorajar a economia a trabalhar melhor, mas, nesse processo, acabará dando poder às pessoas, e elas irão às ruas para desafiá-lo.
ÉPOCA – Qual transição de poder para a democracia parece ser a mais sólida hoje no mundo árabe?
Smith –
 Os problemas de orçamento atrapalharão todas as transições democráticas. A Tunísia enfrentará problemas financeiros, porque não representa muitos interesses estratégicos para as grandes nações. Não há um doador que esteja disposto a oferecer enormes quantias ao país, e o novo governo tunisiano precisará arcar com vários compromissos e ter uma política ampla para atrair o apoio popular e ser reeleito. No Egito, Mubarak estava velho, doente e perdeu o controle de seu orçamento, recompensando pouco seus aliados. Quando o povo se ergueu contra ele, seus “amigos” o deixaram de lado. Mas o Egito é muito importante para os europeus e americanos. Será fácil para o futuro governo egípcio extrair muito dinheiro dos Estados Unidos para promover a paz com Israel. Seu novo líder terá fontes de receita que dariam poder ao povo, mas poderá preferir fazer a partilha com poucos para não correr o risco de perder seu poder. Meu palpite é que a Tunísia será de alguma maneira democrática, o Egito ainda sofrerá muita influência do Exército e, na Líbia, não há absolutamente nenhuma esperança. A perspectiva de democracia ali é virtualmente nula.
Todo ditador deveria ter exílio e dinheiro garantidos por leis internacionais para não ter incentivo algum para ficar e lutar "

ÉPOCA – Existe algum ditador “ideal”?
Mesquita – 
Sim. Kim Jong-il, da Coreia do Norte. Ele é muito habilidoso em manter poucos aliados e recompensá-los incrivelmente. Os ataques norte-coreanos contra uma ilha da Coreia do Sul no ano passado não tinham nada a ver com questões diplomáticas internacionais. Kim só queria testar pessoas próximas para saber quais eram mesmo leais a ele quando tomava decisões extremas. Do ponto de vista de um ditador, Kim está indo muito bem, apesar de seus problemas de saúde.
ÉPOCA – O que pode ser feito para garantir um fim pacífico às ditaduras?
Mesquita –
 Uma saída seria garantir, com leis internacionais, um porto seguro para ditadores que estão enfrentando revoltas populares, dando-lhes uma determinada quantia do dinheiro que conseguiram guardar durante seu regime. Assim, eles não terão incentivo algum para ficar e lutar. Digamos que Khadafi tivesse acesso a US$ 200 bilhões. Se o tivessem deixado fugir com segurança para um exílio com US$ 10 bilhões, ele provavelmente teria evitado se indispor com os rebeldes e teria abandonado o cargo. Com o ditador fora, poderíamos criar uma conta para receber o dinheiro de auxílio internacional e liberá-lo somente quando o país estivesse enfrentando uma reforma política de verdade, não a promessa de uma reforma.
ÉPOCA – Mas assim os ditadores não pagariam por seus crimes.
Mesquita –
 É verdade, e aí nos restam duas escolhas. Uma é a retaliação pelo que aconteceu, o que nunca será desfeito. Outra é uma transição pacífica, sem sangue. Nelson Mandela(presidente da África do Sul de 1994 a 1999) é um exemplo maravilhoso disso. Ele organizou comissões em que líderes do apartheid podiam ser perdoados e levar sua vida em frente se confessassem seus crimes publicamente. A África do Sul continuou sua vida. Isso é melhor que organizar inúmeros julgamentos e punições, em uma bagunça que se estenderia por anos, com pessoas contra e a favor. É uma questão de decidir qual é a importância da vingança comparada à oportunidade de fazer tudo em paz.
ÉPOCA – Há uma ideia de que a população do Oriente Médio está acostumada a viver sob ditaduras, o que dificulta a transição para a democracia. Os senhores concordam?
Smith – 
Discordo completamente de argumentos culturais. É muito tentador falar que a democracia é uma boa ideia, “mas ainda não estamos prontos para ela”. As pessoas não precisam ser educadas para entender o que é democracia. Essa é uma desculpa que as pessoas usam para não tomar a difícil decisão de colocar em perigo o próprio poder. Elas temem se abrir para uma competição de verdade.
ÉPOCA – Os senhores dizem no livro que os democratas são limitados por um sistema que exige a lealdade dos eleitores. Logo, se um líder democrático acumula riqueza e poder em poucas mãos, sua estabilidade no cargo é enfraquecida. Como explicar, então, líderes como o venezuelano Hugo Chávez e a argentina Cristina Kirchner, que desfrutam um grande poder e dividem suas decisões com apenas alguns assessores?
Mesquita –
 Ambos usaram seu poder para alterar o sistema político a seu favor. Hugo Chávez mudou a Constituição da Venezuela para poder concorrer novamente e dificultou a organização da oposição nas ruas. Ele foi eleito sob um sistema democrático e está erodindo o próprio sistema. Quanto à família Kirchner, me parece que eles criaram uma dinastia, também atrapalhando a organização da oposição. Ambos são movidos por sistemas de reeleição. Ter eleições não torna um país democrático. Em uma democracia de verdade, a oposição precisa ter o mesmo acesso à mídia, fundos de campanha e público, o que não parece acontecer tanto na Venezuela como na Argentina. Toda democracia deveria exigir uma competição de verdade.
ÉPOCA – Pode-se dizer que eles são democratas que agem como autocratas?
Mesquita –
 Sim, exatamente. Tome o exemplo da Tanzânia, na África. Há eleições livres e justas, e eles não trapaceiam na hora de contar os votos, mas montaram um sistema de financiamento de campanha para encorajar um grande número de partidos de oposição, o que divide os votos e garante que o partido dominante sempre vença. Em uma posição confortável, aproveitam para usar o sistema a seu favor.
  

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