Kim Jong-Il, a múmia comunista, morreu; “príncipe herdeiro” assumirá “o trono”.
Kim Jong-Il, ditador da Coréia do Norte, morreu no sábado, mas a televisão oficial do país só anunciou o fato nesta segunda, ainda domingo por aqui, com uma apresentadora em prantos. Foi-se o “Estimado Líder”. Deve assumir o seu lugar Kim Jong-un, seu filho, que anda aí pelos 30 anos, ninguém sabe ao certo. O pai já o tinha promovido a general de quatro estrelas e vice-presidente da Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores, que é o Partido Comunista.
A Coréia do Norte é a ditadura mais fechada do planeta. Um estrangeiro não pode, imaginem vocês, entrar no país com um reles celular. É proibido dobrar um jornal que tenha estampada a foto do “estimado líder”. Alimenta-se no país o mito de que o nascimento do nanico homicida se fez anunciar por uma estrela e um arco-íris duplo. Trata-se de uma dos países mais miseráveis do mundo — em contraste com a rica Coréia do Sul —, porém com um Exército regular de mais de um milhão de homens e pelo menos 4 milhões de reservistas. Mais: embora boa parte dos 23 milhões de coreanos passe por terríveis privações — há relatos de canibalismo em áreas rurais —, trata-se de um país “nuclear”. Eles têm a bomba.
Ninguém sabe quem é Kim Jong-um num país que acabou se transformando, na prática, numa monarquia. Uma coisa é certa: Kim Jong-Il contava com o apoio da cúpula das Forças Armadas. A morte do tiranete poderia acenar com alguma abertura do regime? Não se tem a menor idéia a respeito. Uma imagem define o surrealismo do país. Vejam isto:
Escolhidas pessoalmente por Kim Jong-Il, segundo se diz, as controladoras de trânsito mantêm sua coreografia mesmo quando as ruas da capital estão vazias, o que é freqüente em Pyongyang. Vocês entenderam direito. Elas são o semáforo. Mesmo sem carros, passam o dia gesticulando para o nada, liberando a passagem de carros inexistentes. À sua maneira, isto é inegável, Kim Jong-Il foi um verdadeiro aplicador das teorias comunistas… Para vocês terem uma idéia, o PIB da Coréia do Norte corresponde hoje a 3,1% do da Coréia do Sul.
Em 2009, Thaís Oyama, editora de VEJA, conseguiu entrar na Coréia do Norte como turista e contou o que viu. É imperdível. Thaís é dona de um dos melhores textos da imprensa brasileira, entrevistadora brilhante e exímia repórter. Resultado: um trabalho exemplar. Como sempre, tudo o que se diz de um regime comunista não coincide com a realidade, que é invariavelmente pior. O totalitarismo norte-coreano não é menos bizarro do que violento. Abaixo alguns trechos do impressionante relato de Thais, cuja integra está aqui
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(…)
Ainda na China e, novamente, antes do embarque, os organizadores da excursão alertaram os turistas para que não dobrassem jornais que estampassem a foto de Kim Jong-Il (caso da edição lida no avião e, pelo que se viu mais tarde, de todas as outras já rodadas no país), sob pena de “ofender gravemente” os norte-coreanos. A lista de atitudes proibidas incluía ainda falar com a população nas ruas, tirar fotografias sem permissão e perguntar aos guias nativos sobre questões como a saúde de Kim Jong-Il ou a existência de campos de concentração no país. Na chegada ao aeroporto de Pyongyang, o grupo foi obrigado a entregar os celulares e a submeter toda a bagagem a uma revista cuidadosa, destinada a evitar o ingresso de material ideologicamente suspeito. O que seria ideologicamente suspeito? Basicamente tudo.”
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O culto a Kim Il-sung - cujo nome não é jamais pronunciado sem um dos epítetos costumeiros: “Grande Líder”, “Sol da Humanidade” ou “Inigualável Patriota” - deve-se principalmente ao fato de que, sob o seu reinado, a Coreia do Norte viveu os seus melhores dias, graças à mesada da então União Soviética. Até 1965, o PIB do país era três vezes o da Coreia do Sul e cada grão que brotava do solo era apresentado como um presente ofertado ao povo por Kim Il-sung. Quando cessou a ajuda dos camaradas russos e a grande fome do fim dos anos 90 devastou a Coreia do Norte (…).Resultado: hoje, o PIB da Coreia do Norte equivale a 3,1% do da Coreia do Sul.
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Mas nada supera o espanto causado pela visão das guardas de trânsito da capital. Postadas em pedestais instalados nos cruzamentos, elas mantêm uma frenética atividade de sinalização com a cabeça e os braços mesmo quando as ruas estão desertas - e elas sempre estão desertas. A explicação da guia para o comportamento é a seguinte: como, por muito tempo, os Estados Unidos impediram a Coreia do Norte de desenvolver seu programa de energia nuclear, o país passou a sofrer de um déficit crônico de eletricidade. Assim, as controladoras de tráfego atuam como semáforos humanos, já que o uso de similares eletrônicos seria um desperdício. E por que elas têm de gesticular sem parar mesmo quando não há um único carro na rua? A guia não sabe responder. Diz-se na Coreia do Norte que o Querido Líder em pessoa (também conhecido como “Inteligente Líder” ou “Respeitado Líder”) é quem escolhe as belas guardas - dissimulados símbolos sexuais e heroínas de muitos dos filmes produzidos lá (Sentinela do Cruzamento, por exemplo, fala sobre “a dedicação ao trabalho e o terno amor das guardas pelo povo e também sobre a verdadeira supremacia do socialismo do nosso país”, diz o texto que resume o enredo).
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Na distopia totalitária de Kim Jong-Il, a população é dividida em três castas: a dos “leais”, que compreende de 20% a 30% da população; a dos “neutros”, em que se encaixam em torno de 60% dos norte-coreanos; e a dos “reacionários”, ou “hostis” - que totaliza 10% ou 20% da população. É com base nessa classificação, com 56 subdivisões, que o governo define se uma pessoa pode ou não cursar a universidade, a quantidade de ração que vai receber e a ocupação que terá ao longo da vida.
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Ainda na China e, novamente, antes do embarque, os organizadores da excursão alertaram os turistas para que não dobrassem jornais que estampassem a foto de Kim Jong-Il (caso da edição lida no avião e, pelo que se viu mais tarde, de todas as outras já rodadas no país), sob pena de “ofender gravemente” os norte-coreanos. A lista de atitudes proibidas incluía ainda falar com a população nas ruas, tirar fotografias sem permissão e perguntar aos guias nativos sobre questões como a saúde de Kim Jong-Il ou a existência de campos de concentração no país. Na chegada ao aeroporto de Pyongyang, o grupo foi obrigado a entregar os celulares e a submeter toda a bagagem a uma revista cuidadosa, destinada a evitar o ingresso de material ideologicamente suspeito. O que seria ideologicamente suspeito? Basicamente tudo.”
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O culto a Kim Il-sung - cujo nome não é jamais pronunciado sem um dos epítetos costumeiros: “Grande Líder”, “Sol da Humanidade” ou “Inigualável Patriota” - deve-se principalmente ao fato de que, sob o seu reinado, a Coreia do Norte viveu os seus melhores dias, graças à mesada da então União Soviética. Até 1965, o PIB do país era três vezes o da Coreia do Sul e cada grão que brotava do solo era apresentado como um presente ofertado ao povo por Kim Il-sung. Quando cessou a ajuda dos camaradas russos e a grande fome do fim dos anos 90 devastou a Coreia do Norte (…).Resultado: hoje, o PIB da Coreia do Norte equivale a 3,1% do da Coreia do Sul.
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Mas nada supera o espanto causado pela visão das guardas de trânsito da capital. Postadas em pedestais instalados nos cruzamentos, elas mantêm uma frenética atividade de sinalização com a cabeça e os braços mesmo quando as ruas estão desertas - e elas sempre estão desertas. A explicação da guia para o comportamento é a seguinte: como, por muito tempo, os Estados Unidos impediram a Coreia do Norte de desenvolver seu programa de energia nuclear, o país passou a sofrer de um déficit crônico de eletricidade. Assim, as controladoras de tráfego atuam como semáforos humanos, já que o uso de similares eletrônicos seria um desperdício. E por que elas têm de gesticular sem parar mesmo quando não há um único carro na rua? A guia não sabe responder. Diz-se na Coreia do Norte que o Querido Líder em pessoa (também conhecido como “Inteligente Líder” ou “Respeitado Líder”) é quem escolhe as belas guardas - dissimulados símbolos sexuais e heroínas de muitos dos filmes produzidos lá (Sentinela do Cruzamento, por exemplo, fala sobre “a dedicação ao trabalho e o terno amor das guardas pelo povo e também sobre a verdadeira supremacia do socialismo do nosso país”, diz o texto que resume o enredo).
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Na distopia totalitária de Kim Jong-Il, a população é dividida em três castas: a dos “leais”, que compreende de 20% a 30% da população; a dos “neutros”, em que se encaixam em torno de 60% dos norte-coreanos; e a dos “reacionários”, ou “hostis” - que totaliza 10% ou 20% da população. É com base nessa classificação, com 56 subdivisões, que o governo define se uma pessoa pode ou não cursar a universidade, a quantidade de ração que vai receber e a ocupação que terá ao longo da vida.
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