20/09/2011
às 19:55 \ Política & CiaColuna do Ricardo Setti - VEJA
Parece guerra: delegados da PF dizem que Judiciário está a serviço das elites e que tribunais superiores “não querem condenar”
Amigos, a decisão do Superior Tribunal de Justiça de anular as provas obtidas contra a família Sarney na chamada “Operação Boi Barrica” — que incluem escutas telefônicas autorizadas por instâncias inferiores da Justiça — deflagraram declarações de alto teor incendiário por parte de delegados da Polícia Federal.
Poucas vezes, se é que alguma, autoridades da PF, mesmo que ligadas a entidades sindicais de delegados, vieram a público criticar de forma tão enérgica o que consideram restrições excessivas ao poder de investigar da polícia.
Apesar da linguagem dura, os delegados que se pronunciaram tiveram o cuidado de insistir em que as investigações em curso vinham sendo acompanhadas e autorizadas por juízes de Direito. Cuidaram, assim, de não defender a tese de que a Polícia Federal pode ultrapassar as barreiras previstas em lei.
De todo mod, parece uma declaração de guerra — a ponto de se afirmar que a Justiça está a serviço “das elites e que existe, nos tribunais superiores, uma tendência a não condenar poderosos. A Justiça estaria desconectada da sociedade e, com decisões como essa, passaria a impressão de que ou a PF não investiga ou, quando o faz, usa métodos ilegais, até “nazistas”.
Não bastasse isso, dizem que o governo Dilma “está intimidado” e que está “aberta a porta” para a impunidade no país.
O texto é do repórter Fausto Macedo, do Estadão.
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Delegados da Polícia Federal se declaram perplexos com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que mandou anular as provas da Operação Boi Barrica. Os delegados consideram que o Judiciário se curva ante investigados que detêm poderes político e econômico.
Eles temem que outras operações de grande envergadura poderão ter o mesmo fim a partir de interpretações de ministros dos tribunais superiores que acolhem argumentos da defesa.
Foi assim, antes da decisão que tranca a Boi Barrica, com duas das principais missões da PF, deflagradas em 2008 e em 2009, a Satiagraha e a Castelo de Areia – ambas miravam empresários, políticos e até banqueiro.
“A PF não inventa, ela investiga nos termos da lei e sob severa fiscalização”, disse o delegado Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, diretor de Assuntos Parlamentares da Associação Nacional dos Delegados da PF.
“Não há interesse em deixar investigar” e “falta credibilidade” à Justiça
“No Brasil não há interesse em deixar investigar”, afirma Leôncio. “As operações da PF são executadas sob duplo grau de controle, do Ministério Público Federal, que é o fiscal da lei, e do Judiciário, que atua como garantidor de direitos. Não existe nenhum país no mundo em que a polícia sofra essa dupla fiscalização.”
“Aí uma corte superior anula todo um processo público com base em quê? Com base no ‘ah, não concordo, a fundamentação do meu colega que decidiu em primeiro grau não é suficiente’. Nessa hora não importa que os fatos são públicos e notórios e que não há necessidade sequer de se ficar buscando uma prova maior.”
Para o delegado, “situações assim levam ao desgaste do Poder Judiciário, que paga preço enorme pela falta de credibilidade porque se dissocia da realidade”.
“O País não pode aceitar que uma operação seja anulada porque o tribunal não concorda com a fundamentação do juiz de primeira instância, aquele negócio de ‘ah, quem tinha que ter autorizado não era o juiz federal da 1.ª vara, a competência era do juiz federal da 2.ª vara’. Esse tipo de conduta atende a uma elite. E ainda temos que suportar as críticas de que a polícia investiga mal, o cara foi solto porque a polícia investiga mal. É profundamente revoltante.”
“O pano de fundo é o Judiciário a serviço das elites”
Leôncio diz que “o Legislativo faz mal as leis” e que “a polícia trabalha com instrumentos legais limitadíssimos, as leis são limitativas e restritivas, como a da interceptação telefônica”.
“Não existe País no mundo com uma legislação tão restritiva. E ainda temos que suportar esse Judiciário que serve a uma elite. O pano de fundo é o Judiciário a serviço das elites.”
Para o delegado, as recentes decisões do STJ, que jogaram na gaveta as três grandes operações, “vão contaminar várias outras operações e todas com esse mesmo tipo de fundamento”.
“O problema está do outro lado, nos tribunais superiores do Judiciário: eu não quero condenar, eu não quero deixar condenar, esse é o pano de fundo. Maquiavelicamente, alguns segmentos da mídia divulgam que a PF não soube investigar.”
“A PF investiga, apresenta provas, mas tudo isso não tem valor porque temos um Poder Judiciário cuja cúpula é comprometida com esse status que está aí. Depois passam a imagem de polícia fascista, nazista, que não respeita direitos e garantias fundamentais. Chega uma turma de um tribunal superior, distante dos fatos, diz que isso tudo é abuso, não está bem fundamentado e que a legislação não permite que se faça isso ou aquilo.”
“Decisões com caráter ideológico”
O delegado federal diz que “o Brasil está nesse dilema, diante desse poder que está aí para manter o status quo, que não quer condenar”.
“Mas quando se fala da violência do tráfico, por exemplo, não há nenhum receio em se condenar, não se coloca em dúvida nenhum aspecto da investigação”, insiste. “Quando o crime é praticado contra a administração pública ou é crime econômico aí não é crime violento e esse tem que ter seus direitos e garantias respeitados.
Essas decisões têm caráter ideológico, não jurídico. A PF está no meio dessa guerra. Um Brasil que compactua com a corrupção e um Brasil que quer ser passado a limpo.”
“A PF respeita as decisões judiciais, mas vejo de uma forma muito temerária porque não vamos conseguir que a Justiça condene qualquer colarinho branco”, assevera o delegado Amaury Portugal, presidente do Sindicato dos Delegados Federais em São Paulo.
“Fica muito difícil para a PF trabalhar, primeiro as algemas que não podem ser usadas no colarinho branco, depois as escutas telefônicas”, diz Portugal.
“O STJ não se ateve à prova dos autos”
Ele não aceita o rótulo de ilegalidade à Boi Barrica. “Como ilegal se tudo foi realizado com autorização judicial?”
“O delegado que presidiu o inquérito da Boi Barrica não ia fazer escuta se não estivesse amparado em autorização da Justiça, que determinou tudo. Qualquer passo do delegado ele tem que comunicar ao juiz, abrindo vista para o procurador. A operação não foi ilegal.”
Para Portugal, “essas últimas decisões judiciais são estapafúrdias”. “O STJ não se ateve nem à prova. A verdade é essa. Não se ateve ao conteúdo de provas dos autos e anulou tudo.”
Ele assinala que denúncia anônima “vale para o pequeno traficante, via disque denúncia”. “Mas não vale para colarinho branco.” E faz um alerta. “Vamos cansar. A PF faz a sua parte, mas o governo está intimidado. A porta para a impunidade está aberta.”
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