sábado, 24 de setembro de 2011

IPI - É DANDO QUE SE RECEBE, ENTENDERAM??? VAMOS DIFICULTAR PARA VENDER FACILIDADES...


Marcha à ré

O aumento do IPI dos carros importados provoca uma onda de indignação e ameaça levar o Brasil de volta aos tempos dos automóveis caros e sem tecnologia

Mariana Queiroz Barboza
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No balanço das ações do governo na condução da política econômica, não é exagero dizer que, nos últimos anos, o número de acertos foi muito superior ao de erros. Se o País encontrou uma rota segura de crescimento, isso se deve essencialmente a um conjunto de medidas providenciais – a abertura da economia na década de 90, o cerco à inflação do Plano Real, a ampliação do crédito e o combate à pobreza em tempos mais recentes, para citar alguns fatores determinantes. Por isso mesmo, além de surpreender pelo que continha de inesperado, o anúncio do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 30 pontos porcentuais para carros estrangeiros tem provocado uma onda de indignação. Sob a alegação de estimular a criação de empregos e equilibrar a balança comercial, o governo, de uma tacada só, pode levar o País a recuar 20 anos. Além de prejudicar empresas, a marcha à ré vai pesar no bolso de milhões de brasileiros, que serão obrigados a pagar entre 25% e 28% a mais por automóveis fabricados fora do Brasil (à exceção do México e dos países do Mercosul, que não precisam se submeter ao aumento da tributação). “A medida é claramente um retrocesso”, diz Sergio Habib, presidente da chinesa JAC Motors.
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"Quando investi R$ 200 milhões em distribuição,
não me passou pela cabeça que o governo
pudesse mudar as regras no meio do jogo"

Sérgio Habib, presidente da JAC Motors
O argumento da geração de postos de trabalho não sustenta uma análise mais profunda. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as montadoras instaladas no País empregam 144,7 mil pessoas, do chão de fábrica aos escritórios. O interessante é que a maior parte dos empregos do setor vem da distribuição, e não das plantas industriais. As redes de concessionárias são diretamente responsáveis por 376 mil trabalhadores, de acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Nessa conta, entram as redes dos fabricantes nacionais, mas também estão os importadores que montam estruturas para atuar no Brasil. Apenas a JAC, que chegou ao mercado brasileiro em março de 2011, emprega 2,5 mil pessoas. Desde então, a empresa investiu R$ 380 milhões no País, valor desembolsado em ações de marketing e na abertura de 35 concessionárias. Se a mordida tributária subir da forma como planeja o governo, aportes futuros poderão ser revistos. A JAC tem pronto um projeto de construção de uma unidade no Brasil ao custo de R$ 900 milhões. Como ficam os planos da companhia? “Da maneira como o decreto foi feito, não dá para fazer fábrica no Brasil”, afirma Habib. 

Na indústria automobilística atual, qualquer montadora, antes de construir uma planta em um país, inicia o processo com a importação e a instalação de uma rede de concessionárias. A lógica diz que é preciso medir a receptividade do mercado para alcançar um volume que sustente uma linha de produção. Foi assim com Honda, Toyota, Nissan, Peugeot, Citroën e Mitsubishi. Se o governo dificultar a entrada de carros importados, diminuem as chances de novas empresas chegarem ao País. Nesse ciclo negativo, investimentos serão perdidos – e empregos, desperdiçados. O presidente da Mercedes-Benz para a América Latina (empresa que, a propósito, fabrica veículos no Brasil há mais de cinco décadas), Jüergen Ziegler, reforça esse raciocínio. Segundo ele, a medida não vai atrair recursos para o Brasil. Ao contrário, vai afastá-los. Ziegler diz que o aumento do IPI vai levar investimentos, antes previstos para o Brasil, para o México. Como esse país não foi afetado pelo aumento do imposto e faz parte do bloco comercial Brasil/Argentina, as montadoras interessadas em construir fábricas por aqui serão seduzidas a colocar dinheiro em território mexicano, onde, aliás, os custos de produção são menores.
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"A avaliação exata dessa medida ainda está em andamento
e será tratada diretamente com as autoridades"

Jörg Henning Dornbusch, presidente da BMW
Se a economia como um todo perde, o cidadão comum também vai sofrer os efeitos negativos da decisão do governo. “Como sempre neste País, quem vai pagar a conta desse decreto é o consumidor”, diz José Luiz Gandini, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), que comanda a Kia no Brasil. Segundo Gandini, o imposto mais caro resultará em uma alta de até 28% nos preços dos automóveis. “O aumento do IPI rompe o direito do consumidor de fazer sua melhor opção”, diz João Doria Jr., presidente do Grupo de Líderes Empresariais (LIDE). Enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo defende a medida retrógrada do governo, o LIDE vai no caminho oposto. “O ideal seria estimular o mercado nacional e os importadores a implantar indústrias com produção no Brasil em um prazo de até dois anos”, diz Doria. O presidente da Audi no Brasil, Paulo Sérgio Kakinoff toca em outro ponto. “A competitividade não pode ser assegurada por um protecionismo que desestimule a oferta ao consumidor”, diz.
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"A medida depõe contra a imagem do País no Exterior. As marcas
que se consideram nacionais não querem concorrência"

José Luiz Gandini, presidente da Kia
O que explica o crescimento impressionante da venda de importados nos últimos anos? A resposta é fácil: preço associado à qualidade. Essa combinação fez com que, nos últimos seis anos, a participação de carros estrangeiros quadruplicasse no mercado brasileiro. Chineses, coreanos e alemães, que lideram o avanço do bloco internacional, trouxeram conceitos novos ao País, como garantia de longo prazo, equipamentos de segurança que viraram itens de série (airbag e freio ABS) e design diferenciado. Por que privar os brasileiros de tudo isso? “Hoje, o consumidor tem a opção de ter um importado atualizado, com garantia de cinco anos, em vez de um nacional obsoleto, com design ultrapassado”, diz Gandini. “A culpa desse cenário é da indústria nacional, que, há muito tempo, parou de investir em tecnologia.” 

Dificultar o ingresso de produtos estrangeiros é uma medida irmã do atraso. Basta lembrar como era o Brasil nos anos 80, com um parque industrial retrógrado, pouco competitivo e incapaz de produzir itens cobiçados no mercado internacional. O aumento da presença de empresas brasileiras no Exterior é resultado do aprimoramento tecnológico de nossas indústrias e essa foi uma conquista que não veio ao acaso. É fruto do conhecimento introduzido inclusive por grandes grupos internacionais. Medidas protecionistas não são afeitas a países que crescem e se desenvolvem – são praticadas apenas por nações que perderam o curso da história. Para Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec-RJ, há o risco de o caso desencadear embaraços internacionais. “Ele cria uma espécie de reserva de mercado, o que pode levar o Brasil a sofrer algum grau de retaliação na Organização Mundial do Comércio”, diz ele. Detalhe alarmante: o governo aumentou impostos em um país já recordista nesse quesito. Enquanto a carga tributária brasileira pesa 30,4% no preço final do carro, nos Estados Unidos a fatia é de 6,1%. Na Europa, a contribuição gira em torno de 16%. No Japão, é de 9%.
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"Um decreto tão brusco como esse deveria ter, ao menos,
a participação do setor prejudicado em sua elaboração"

Paulo Sérgio Kakinoff, presidente da Audi
Na quinta-feira 22, dois passos importantes foram dados para que a medida seja revista. A Justiça Federal do Espírito Santo suspendeu a cobrança do IPI maior por 90 dias, atendendo a um pedido da chinesa Chery. Com essa liminar, o imposto mais caro só passa a valer a partir de 15 de dezembro, 90 dias após a publicação do decreto. Em Brasília, representantes da Abeiva se reuniram com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, para discutir o assunto. Saíram do encontro com a promessa de que as reivindicações da Abeiva serão analisadas. Diante da força dos argumentos contrários ao aumento da alíquota do IPI, espera-se que o governo seja sensível às reclamações. E que continue colocando em prática medidas sensatas como as do passado recente.
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