quinta-feira, 26 de maio de 2011

BRASIL, PAÍS DE DOIS PRESIDENTES

Governo
Lula não resiste - e atua como articulador político do Planalto

Menos de cinco meses após deixar o Planalto, ex-presidente já mergulha no dia a dia do governo

Adriana Caitano




O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a bancada de senadores do PT em Brasília: encontro para discutir o caso Palocci (Valter Campanato/ABr)

“Se na primeira crise simples já foi preciso chamar um ex-presidente para apagar o incêndio como se fosse bombeiro, é porque a situação é grave" - Marco Antonio Villa, historiador

Ao transmitir o cargo para Dilma Rousseff, no começo deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não se meteria no mandato alheio. Não foram precisos nem cinco meses, no entanto, para que o ex-presidente quebrasse a promessa e voltasse à ativa, assumindo o papel de articulador político - não em grandes questões nacionais, mas no dia a dia do governo. Na semana passada, ele mergulhou com gana na política miúda e reacendeu as preocupações surgidas na campanha presidencial, de que poderia se tornar, no mínimo, a sombra da presidente.

Nos últimos dias, Lula tem participado de reuniões com presidentes de partidos aliados, deputados e senadores governistas e levado recados a Dilma. A desculpa dos encontros é sempre a reforma política – o ex-presidente foi escolhido pelo PT para unificar as propostas do partido e divulgá-las publicamente para convencer a população e, consequentemente, os parlamentares. Durante as conversas, porém, ele tem assumido pessoalmente funções que vão de ouvir lamúrias e dar conselhos, a botar a mão na massa, estruturando a blindagem do encrencado ministro da Casa Civil, Antonio Palocci.

Na terça-feira, em conversa com senadores do PT, Lula destacou o apoio a seu ex-ministro da Fazenda, colocando-o como figura importante da qual a Presidência não pode prescindir. Pediu que os parlamentares da base fiquem unidos em sua defesa, o que Dilma não tem feito muito claramente, e listou argumentos para rebater as denúncias feitas contra ele. Por fim, afinou o discurso a ser repetido: não há mais nada a ser esclarecido e a culpa é de quem vazou as informações da empresa do ministro - no caso, a oposição. Lula então afirmou que um secretário da prefeitura de São Paulo, ligado ao PSDB, é o responsável pelo vazamento. A acusação foi reproduzida por governistas de todo o país.

Nesta quarta, em novo encontro com líderes da bancada governista na casa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o ex-presidente voltou a pedir que a imagem de Palocci seja fortalecida e ajudou a elaborar estratégias para adequar o Código Florestal aos desejos do governo. A decisão foi convencer Dilma a renovar o decreto sobre crimes ambientais, que venceria em 11 de junho, e dar mais tempo para que o Senado adapte o texto. “Ele pediu que nos entrosássemos mais para melhorar a relação do Congresso com o governo e fazê-los funcionar melhor”, relatou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que confirma o posto de articulador dado a Lula.

A função do ex-presidente também tem sido apaziguar os ânimos de parlamentares da base governista. Deputados e senadores reclamam do distanciamento entre o Planalto e o Congresso e da falta de contato com a presidente e o ministro da Casa Civil, que ainda não se deu ao trabalho de dar explicações pessoalmente aos parlamentares. Para completar, o grupo não se esquece de criticar a demora na distribuição dos cargos de terceiro escalão do governo. Após ouvir e palpitar, o ex-presidente tem levado toda a choradeira a Dilma em reuniões e telefonemas periódicos.

Tapando buraco - O ex-presidente ocupa um vácuo deixado no governo pelo afastamento de Dilma das negociações, a crise que envolve Palocci e a falta de capacidade do ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, para exercer sua função de articulador. Com isso, acaba confirmando o temor de que seria uma presença extra-oficial no mandato de Dilma.

Para o líder do DEM no Senado, Demóstenes Torres (GO), o governo foi terceirizado. “O Lula já não pode ser chamado de ex-presidente, porque ele passou a dividir o poder com a Dilma, diante da omissão dela em gerenciar a crise política”, critica. “A Dilma virou o cavalo de santo dele – a entidade baixa nela e manda. Daqui a pouco ele vai poder nomear pessoas e seu poder vai só aumentando”.

O historiador e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos Marco Antonio Villa avalia que a presença de Lula deixa clara a fragilidade política do governo de Dilma. “Se na primeira crise simples já foi preciso chamar um ex-presidente para apagar o incêndio como se fosse bombeiro, é porque a situação é grave", afirmou. "A presidente não soube conviver com a pressão nos primeiros cinco meses de mandato, imagina se houver uma crise forte de verdade.” Villa diz ser negativo para o país que Lula, sem mandato, sem ser ministro nem exercer uma função diretiva oficial no PT, atue institucionalmente no governo. “Nunca antes na história deste país isso aconteceu, aliás, como a jabuticaba, essas coisas só são vistas aqui mesmo”, ironiza Villa.

Apesar da promessa de não fazer declarações públicas nem conceder entrevistas até o final de junho, o ex-presidente anunciou seu retorno há cerca de um mês. Para uma plateia de metalúrgicos sindicalistas, deixou escapar que sentia uma “comichão” de tanta vontade de voltar ao poder. “Eu ainda não desencarnei totalmente do meu mandato de presidente, não é uma tarefa fácil”, confessou. "Eu estou com vontade de tudo, mas tenho que me controlar". Ao ver o governo de sua sucessora em apuros, Lula, mais do que rápido, perdeu o controle.

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