ENVIADO ESPECIAL A NABLUS (CISJORDÂNIA)
O palestino Ammar al Ziben, 38, está detido há 16 anos em Israel. Cumpre 27 sentenças de prisão perpétua e está proibido de receber visitas íntimas.
Ammar dizia à mulher, separado dela por um vidro, que já se considerava morto, incapacitado de dar continuidade à linhagem familiar.
Até que um recente esquema de contrabando de esperma e fertilização in vitro culminou, segundo o médico responsável, no nascimento de um pequeno garoto chamado Muhannad. Seu filho.
Seria o resultado de uma amostra de sêmen traficada de dentro de uma prisão para um laboratório, desafiando as autoridades penitenciárias israelenses.
"Somos uma sociedade conservadora e gostamos de ter filhos", diz à Folha. "Há uma pressão muito grande sobre as mulheres. Em alguns casos, se o marido é solto, elas já não estão mais no período fértil e têm de aceitar que ele se case de novo."Mas o garoto é também fruto da defesa do médico Salim Abu Khaizaran, 56, de que é preciso mitigar o que considera o drama familiar dos mais de 4.700 prisioneiros palestinos em Israel.
A ideia de contrabandear sêmen dos palestinos partiu das lideranças presidiárias, que procuraram Abu Khaizaran para perguntar a ele se a fertilização seria viável do ponto de vista técnico.
O médico, por sua vez, consultou as autoridades islâmicas para investigar se a fertilização seria aceita religiosamente. Seria, e um pronunciamento legal ("fatwa") foi emitido a seu favor.
Foi a vez de Dallal al Ziben, mulher de Ammar, ir à clínica e pedir que Abu Khaizaran lhe ajudasse a realizar o sonho do marido: ter um filho. Antes da prisão, ele já tinha gerado duas meninas.
DOR
A ideia veio a Ammar em 2004, depois da morte de sua mãe, então em greve de fome pela libertação do filho. "Ele queria trazer uma pessoa à vida", diz Dallal, 32.
"No começo eu estava hesitante. Pensava em como as pessoas iriam olhar para mim, grávida, sabendo que meu marido está na prisão."
Encorajada pela família e pelo vilarejo de Maythalun, aceitou. Segundo ela, foram necessárias três tentativas, incluindo um fracasso na fertilização e um aborto natural. "Que ninguém pense que foi fácil. Foi muito doloroso, e não sei se faria de novo", diz.
Muhannad foi recebido com alegria na vila, "como se fosse uma festa de casamento", conta. Para o marido, diz, significou uma razão para lutar pela soltura.
Ammar foi preso em 1997, condenado pela acusação de treinar homens-bomba, de acordo com a sua mulher.
Segundo o médico, outras oito mulheres estão grávidas após passarem pelo mesmo procedimento. Na clínica, diz Abu Khaizaran, existem mais de 60 amostras de esperma de prisioneiros palestinos congeladas.
O médico e Dallal se recusaram a explicar de que maneira o sêmen é traficado e em que condições é retirado.
Procurada pela Folha, a autoridade penitenciária israelense diz que o contrabando de sêmen na prisão seria "muito difícil" de ocorrer. Mas não impossível.
"As condições de visita são restritivas, e só as crianças de até oito anos podem tocar os prisioneiros", diz a porta-voz Sivan Weizman. "Estão sempre sob vigilância."
Mas as crianças não são revistadas ao sair.
Weizman afirma que a proibição a visitas íntimas é por segurança. "Visitantes podem trazer outras coisas, como um telefone, uma arma", diz.
TESTEMUNHAS
No quesito técnico, a fertilização in vitro com o sêmen tirado da prisão seria também viável, de acordo com especialistas consultados pela Folha (leia mais ao lado).
Antes de congelar a amostra, Abu Khaizaran exige que duas testemunhas do marido e duas da mulher confirmem qual é a autoria do sêmen.
Os prisioneiros palestinos são um dos assuntos-chave para a retomada das negociações entre árabes e israelenses. O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, exige que parte dos detentos seja solta.
Se para Israel eles são considerados terroristas, para palestinos os presidiários são encarados como heróis da resistência à ocupação.
Quando morrem na prisão, eles são enterrados como mártires, caso no início do mês de Maysara Abu Hamdiyeh -vítima de um câncer de esôfago, pelo qual ele era tratado em hospital.
O assunto estará especialmente em foco nesta semana. No dia 17, é relembrado o "dia do prisioneiro" nos territórios palestinos, e há manifestações programadas.
"É uma questão emocional", diz Abu Khaizaran. "Somos uma comunidade pequena, e todos conhecem alguém que está na prisão."
Ele afirma que não cobra pelos procedimentos médicos e que por causa disso tem grande prejuízo.
Também afirma que recusa o apoio oferecido pelos grupos políticos Hamas e Fatah, pois não quer "politizar o assunto".
"Que tipo de pessoa eu seria se pedisse dinheiro para essas famílias?"
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