'Vale do Silício' paulista cria empregos, mas faz pouca pesquisa
Empresas de tecnologia contratam até 300 pessoas de uma só vez.
Engenheiros são cobiçados por multinacionais dentro das universidades.
expansão eminente da Foxconn em Jundiaí (fabricante de produtos da Apple) e da Samsung em Campinas criou uma versão para o 'Vale do Silício' no interior de São Paulo. Nos Estados Unidos, essa região na Califórnia ficou conhecida por concentrar importantes empresas de tecnologia.
O movimento de um lado aquece o mercado local, mas fica a desejar em relação à qualificação de mão de obra. De olho principalmente nos incentivos fiscais, essas empresas operam muitas vezes sem nenhum investimento em pesquisa e desenvolvimento.
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Ainda assim, o movimento é comemorado. O paulista Ricardo Vitor Germano é um deles. Ele nasceu, estudou e conta nos dedos as vezes em que saiu de Hortolândia, cidade com pouco mais de 200 mil habitantes e vizinha a Campinas. Aos 18 anos, ainda não fala inglês, não tem curso técnico e acaba de se matricular na universidade, onde vai estudar sistemas de informação pelos próximos 4 anos. No entanto, quando o assunto é emprego, o rapaz não tem do que reclamar. Ele foi contratado para uma vaga temporária na Motorola, que mantém uma fábrica vizinha a sua casa. A experiência acaba de chegar ao fim, mas ele já foi convidado a participar da seleção em uma concorrente, também localizada na região, e que planeja expansão para o primeiro trimestre deste ano.
O caso de Ricardo Germano não é isolado. Ele, na verdade, desfruta de algumas coincidências que o coloca em vantagens a outros jovens pelo Brasil afora. Germano está na idade certa, mora no lugar ideal, justamente no momento em que a chegada de multinacionais da área de eletroeletrônicos e os planos de expansão para produção de equipamentos de alto valor agregado superaqueceram o mercado de trabalho em Campinas e Jundiaí.
Nesta quarta-feira (25), por exemplo, o governo federal publicou no Diário Oficial da União uma portaria em que habilita a empresa taiuanesa Foxconn a receber incentivos fiscais para a produção de tablets no Brasil. A companhia, que fabrica produtos da Apple, como o iPad, pretende investir US$ 12 bilhões no país nos próximos anos para a produção de equipamentos.
Como decorrência direta desse movimento, nas ruas que compõem os bairros centrais dessas cidades, as agências de recursos humanos encampam processos que chegam a recrutar até 300 operários de uma só vez, enquanto profissionais de nível técnico e superior, como engenheiros e desenvolvedores de tecnologia, são disputados por empresas do porte de Samsung, Motorola e IBM dentro das salas de aulas das universidades.
“Essas empresas gostam de jovens e não se preocupam com o fato de termos ou não experiência. Uma vez contratado, eles nos dão treinamento”, conta Germano. “Além de poder mexer com tecnologia, que é muito bacana, tem também a possibilidade de colocar no currículo a experiência dentro de uma empresa grande, uma multinacional. Por isso, me motivo tanto para trabalhar nesse mercado.”.
"Hoje em dia nossa região vive uma situação de pleno emprego. Engenheiros e técnicos saem da sala de aula já empregados", atesta Rodolpho França Hunger, gerente do CPQD, polo de tecnologia avançada em Campinas que congrega 17 empresas voltadas basicamente aos segmentos de inovação.
"Recebo comitivas toda as semanas de executivos e empresários estrangeiros querendo informações para se instalarem aqui. Geralmente, a seleção para os principais cargos começa dentro da univerdade", conta Hunger.
Logística e incentivos
Companhias multinacionais de eletroeletrônicos transferindo unidades industriais do exterior ou de outros estados para áreas próximas a Campinas e Jundiaí não chega a representar, propriamente, uma novidade para a geografia industrial brasileira. Esse movimento foi inaugurado em 1975 com a chegada da fábrica da HP em Campinas. Na época, dois fatores foram preponderantes à atração da norte-americana: a proximidade estratégica com a Unicamp, que havia sido criada em 1962, e a distância relativamente curta até Santos, principal porto de escoamento da produção nacional - cerca de 180 km em estradas de pista dupla.
Companhias multinacionais de eletroeletrônicos transferindo unidades industriais do exterior ou de outros estados para áreas próximas a Campinas e Jundiaí não chega a representar, propriamente, uma novidade para a geografia industrial brasileira. Esse movimento foi inaugurado em 1975 com a chegada da fábrica da HP em Campinas. Na época, dois fatores foram preponderantes à atração da norte-americana: a proximidade estratégica com a Unicamp, que havia sido criada em 1962, e a distância relativamente curta até Santos, principal porto de escoamento da produção nacional - cerca de 180 km em estradas de pista dupla.
O movimento, entretanto, ganhou em proporções nos últimos seis anos após a criação de uma medida provisória por parte do governo federal, pacote de benefícios batizado de "MP do Bem". A ideia era conceder incentivos fiscais de tal ordem a incentivar grandes empresas a instalarem unidades fabris no Brasil. As concessões de impostos podem chegar a 100% do investimento em novos itens ou processos.
Foi esse o caminho que, por exemplo, trouxe algumas corporações conhecidas até a região, como Dell e AOC, além de outras desconhecidas do público em geral, mas responsáveis por concentrar a produção de marcas famosas. São empresas, em sua maioria, provenientes do continente asiático, que empregam milhares de pessoas pelo mundo como Arima, Compalead, Benchmark e a própria Foxconn, a maior integrante do grupo.
Tablets
Em 2006, a Foxconn, que fabrica os produtos que levam a logomarca da Apple, abriu uma unidade em Indaiatuba voltada à fabricação de aparelhos celulares. Um ano depois, a empresa inaugurou a sua maior planta no país, em Jundiaí. O local foi desenvolvido para a fabricação de computadores, notebooks e netbooks, além das placas mãe desses equipamentos, tendo como clientes Dell, HP, Sony Vaio e EMC². Agora, a aposta ficará mesmo para os tablets.
Em 2006, a Foxconn, que fabrica os produtos que levam a logomarca da Apple, abriu uma unidade em Indaiatuba voltada à fabricação de aparelhos celulares. Um ano depois, a empresa inaugurou a sua maior planta no país, em Jundiaí. O local foi desenvolvido para a fabricação de computadores, notebooks e netbooks, além das placas mãe desses equipamentos, tendo como clientes Dell, HP, Sony Vaio e EMC². Agora, a aposta ficará mesmo para os tablets.
A unidade, que já conta com 3 mil funcionários, deverá, por conta da nova linha de tablets, recrutar mais 1,5 mil operários até março que vem.
"A Foxconn é uma gigante e construiu sua competitividade justamente por meio dessa facilidade com que amplia, reduz e volta a ampliar suas linhas de produção. Atualmente, ela pode em muito pouco tempo desmontar metade de uma fábrica e montá-la do outro lado do planeta. Como o Brasil é um mercado importante atualmente, é de se esperar que a empresa comece rapidamente a produzir por aqui os tablets da Apple. Não apenas essa empresa, como também outras", afirma Dario Sassi Thober, diretor do Instituto Wernher von Braun, que presta serviço de pesquisa para grandes fabricantes de eletroeletrônicos.
De olho nesse movimento da Foxconn, por exemplo, Cláudia Caversan, gerente executiva da agência RH Maior, especializada em recrutamento para empresas que integram o "Vale do Silício" brasileiro, já estuda abrir uma unidade da agência em Jundiaí. Atualmente a empresa tem um escritório na cidade de Campinas. “Nossa experiência sugere que essas empresas preferem trabalhar com agências de recursos humanos fisicamente presentes na cidade em que elas estão. Por isso, nossa expectativa é estar já no próximo mês em Jundiaí”, conta a executiva.
Além da Foxconn, outras cinco empresas planejam ou já começaram a produzir tablets em grande escala a partir de suas unidades regionais: a Samsung, que atualmente faz computadores, celulares, placas de circuito integrado, além de soluções de software; a AOC Envision, que produz monitores e computadores; a Arima, especialista em placas de circuito integrado; a ZTE, que faz celulares e modens de internet móvel; e a Itautec, única representante brasileira desse grupo.
Em operação na região desde 2007, a Itautec matém na região aproximadamente 1,3 mil funcionários diretamente envolvidos na atividade de produção, que hoje inclui linhas de notebooks, desktops, netbooks. Em dezembro de 2011, a Itautec anunciou o lançamento de uma linha de tablets para fins corporativos. A unidade já começou a operar e os equipamentos começam a chegar no mercado.
Arrecadação
Novas empresas, projetos de expansão de capacidade industrial e um ritmo alto de contratações impactam imediatamente no dia a dia dessas cidades. Do ponto de vista da arrecadação, as empresas de eletroeletrônicos já ocupam lugar de destaque na economia das cidades que compõem o raio de alcance das grandes Campinas e Jundiaí.
Novas empresas, projetos de expansão de capacidade industrial e um ritmo alto de contratações impactam imediatamente no dia a dia dessas cidades. Do ponto de vista da arrecadação, as empresas de eletroeletrônicos já ocupam lugar de destaque na economia das cidades que compõem o raio de alcance das grandes Campinas e Jundiaí.
Especificamente em Jundiaí, os fabicantes de eletroeletrônicos já estão no quarto lugar em um ranking de impacto no Produto Interno Bruto (PIB) local elaborado pela Prefeitura. A fabricação de celulares, notebooks e afins perdem em poder de contratação de mão de obra e arrecadação de impostos apenas para as área de bebidas, alimentos e o segmento de serviços.
“Mas tudo indica que a participação dessas empresas de tecnologia deve crescer cada vez mais", diz o prefeito de Jundiaí, Miguel Haddad (PSDB). "A gente já planeja que esse mercado ocupe a liderança no PIB da nossa cidade daqui a oito, dez anos”, estima.
Já Campinas, que segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, foi a 12ª cidade que mais criou empregos no Brasil em 2011 - com saldo positivo de 18.939 empregos entre contratações e demissões -, o segmento já é considerado o segundo em importância, apenas atrás das indústria automotiva.
"Essas empresas precisam estar no Brasil. E nós, aqui em Campinas, temos mão de obra qualificada, escolas técnicas, faculdades voltadas para a formação tecnológica e know how em pesquisa. Esse, acho, é nosso diferencial", destaca o diretor de Desenvolvimento Econômico de Campinas, Eduardo Gugel do Amaral.
Pesquisa e desenvolvimento
Mas se por um lado há know howtecnológico e esperança numa participação maior do segmento no bolo da economia local, pelo outro também impera um desconforto nessas cidades pela maneira como as empresas de eletroeletrônicos operam no Brasil.
Mas se por um lado há know howtecnológico e esperança numa participação maior do segmento no bolo da economia local, pelo outro também impera um desconforto nessas cidades pela maneira como as empresas de eletroeletrônicos operam no Brasil.
Ao contrário da imagem apregoada como uma versão verde-amarela do Vale do Silício, a famosa região na Califórnia que concentra boa parte das empresas de tecnologia instaladas nos Estados Unidos, Campinas e Jundiaí estão mais para uma versão paulista da Zona Franca de Manaus. Ou seja: nessas empresas, muito se fabrica, mas pouco se inventa.
A consequência imediata desse fato é que a maioria esmagadora da mão de obra local é destinada para a linha de produção. São operadores que raramente recebem salários acima dos R$ 2 mil e, mais raramente ainda, vislumbram um plano de carreira. Isso porque ainda não existe uma cadeia produtiva instalada no Brasil para o mercado de eletroeletrônicos. As empresas importam todos os acessórios, peças e componentes para apenas montá-los nas unidades brasileiras. Todas as demais fases do processo, anterioriores e posteriores à produção, são resolvidos na sede das empresas, fora do Brasil.
“Não tem cadeia produtiva mesmo. Por isso, até mesmo os engenheiros e tecnólogos contratados por essas empresas dificilmente vão desenvolver alguma coisa. Vão somente gerenciar o andamento da linha de produção”, afirma o presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de Campinas e Região, Jair dos Santos.
Rodolpho França Hunger, gerente do CPQD, concorda. Poucas fabricantes de celulares, computadores e, agora, tablets, contam com departamentos de pesquisa e desenvolvimentos de novos produtos no Brasil, diz ele. No entanto, o executivo acredita que a região já reúne condições para começar a atrair essas áreas.
“É importante contar com departamentos destinados ao desenvolvimento e pesquisa, o que demanda funções e salários maiores. Mas aqui dentro do CPQD, por exemplo, dominamos a tecnologia de telecomunicações. A Unicamp está montando seu parque científico, a exemplo do que deu início ao Vale do Silício no Estados Unidos. Enfim, acho que isso [a instalação de uma cadeia produtiva para o segmento de eletroeletrônicos] é questão de tempo”, destaca Rodolpho.
O professor José Antônio Ribeiro Milani, que dá aulas de Gestão de Projetos em TI da faculdade Veris, também vê similaridades entre a região paulista e o Vale do Silício norte-americana. Para ele, contudo, Campinas e Jundiaí é parecida com os primórdios do parque tecnológico californiano. O professor, que também é gerente de projetos da Stefanini IT Solutions, prestadora de serviços de consultoria para a IBM, viveu lá no início da década passada. “É bem parecido com a região de Campinas. Tem estradas, aeroporto e escolas muito boas por perto.”
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