14 Nov, 08:00h
Texto de Virgílio Rodrigues Brandão
DA VINHA À TORRE DE BABEL, PÔNCIO PILATOS E RUI BARBOSA
A língua é, hoje, um veículo de comunicação com as barreiras quebradas pela tecnologia. Esta desnudou a linguagem. Não basta, hoje, falarmos português, inglês, crioulo, espanhol, arranhar compreensivelmente o francês e o italiano, viajar levemente pelo latim e pelo grego para podermos compreender o emissor ou este compreender-nos. Compreender é conhecer, e este pede mais do que o aparente. E as pessoas, queiramos ou não, não falam a mesma linguagem. «Porquê?» – perguntar-me-á. Porque somos naturalmente desiguais, em particular do ponto de vista ético. É uma questão de capacidade de apreensão, de capacidade de perceber o «em si» das palavras, das acções das pessoas e do Mundo.
Até mesmo entre os sábios se encontram equívocos de comunicação, de apreensão do discurso e da realidade; desde o Mestre dos que sabem, a Voltaire e Locke, passando por Karl Marx e Rui Barbosa; aqueles por aceitarem uma desigualdade não natural entre os homens; este, superando esta dificuldade de ética utilitarista, tem o de não ter visto – em ciência de sua cultura – o que deveria. Exemplifico, para clarificar o que digo: Ao ler «O Justo e a Justiça Política» de Rui Barbosa – uma brevíssima análise sobre o julgamento de Jesus a luz do Direito Romano e Hebraico então vigentes – constato que o seu juízo sobre o Juiz em concreto é excessivamente rigoroso; aliás, segue o sentido ordinário do discurso da história. Esqueceu (ele que foi eleito Juiz do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de Justiça, ainda que não tenha tomado posse) que o Juiz pode ter uma decisão errada por três razões fundamentais: (i) ser mau – de carácter ou funcionalmente; (ii) ser enganado pela prova apresentada – e isso é tão comum como qualquer facto quotidiano, pois erros de julgamento são também provocados – ou, (iii) em circunstâncias, raras é certo… mas que acontecem!, em que os juízes armadilham-se a eles mesmos e entram em situações de saída impossível sem causar grande mal, até a si mesmos (pelo menos na sua consciência). E foi o caso de Pilatos. Mais: para quem acredita na predestinação… Pôncio Pilatos viveu um erro anunciado e necessário que a sua ambição potenciou. E, deste ponto de vista – dos Valentinianos aos Calvinistas –, a culpa de Pilatos na morte de Jesus é a mesma do homicida que transporta o gene do mal ou do justiçado que sofre de um distúrbio obsessivo compulsivo da personalidade.
O Prefeito da terra dos Judeus queria muito, demasiado… como Ninrod; ambicionava muito mas era um homem justo – assim testemunha a sua correspondência com o Imperador Tibério. E isso acabou por armadilhar o seu juízo político e jurídico sobre os factos. Assim, e ao contrário do que é corrente pensar-se e não se aplicando de facto ao Juiz Pilatos (o egrégio Rui Barbosa parece desconhecer, à data do escrito referido, a correspondência ente Pôncio Pilatos e o Imperador Tibério; e por isso, equivoca e efemeramente com os demais mortais, o coloca no rol dos injustos), há que concordar com ele: «O ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o Juiz covarde»; isto é, o que sacrifica a Justiça às suas ambições de Céu, de amizade ou de qualquer outra segurança ou razão.
No caso de Pilatos, o seu erro foi político e processual (paradoxalmente de excesso de celeridade processual): sacrificou a Justiça ao Direito; sabendo que este, em caso de conflito, sede sempre perante a justiça. E por saber isso lavou as mãos; por impotência. Terá sido um anjo a lavar-lhe a mão, a mesma que usaria para derramar o seu próprio sangue num momento de procura de uma honra sem culpa. Pro vivi lex divinae est.
A verdade é simples: uns vêem a árvore e outros a floresta; uns vêm a folha da árvore, e outros a árvore toda; uns a árvore toda e outros a árvore em si; assim como uns vêem a floresta, e percebem uma fogueira ou uma mesa de bilhar – outros olham para a floresta e vêem nela um universo de vida e buscam nela, em diálogo com a sua vida, uma forma de salvar outras vidas. Uns vêm todo o passado e o passado do passado para poderem construir um juízo, uma ideia de futuro; outros só vêem o seu umbigo no topo da sua Torre de Babel, e por isso não conseguem comunicar-se com o Mundo.
Não vivemos sós; e a vida é mais do que o humano. O que nos distingue da demais vida é o preço da nossa liberdade (mais do que a racionalidade em si e dois dedos): o mal inextirpável que nos consome e se alimenta da ambição de ser e chegar mais além do que somos e podemos ser capazes de ser. Por isso nasce a inveja, a maledicência, o desejo de destruir o objecto do nosso desejo; o que nunca poderemos ser capazes de ser. Odiamos o bem, e chamamos o bem mal. Todos, de uma forma ou de outra, temos uma Torre de Babel dentro de nós. As plantas precisam de água e sol para crescer, e os animais de comida; a natural e a ética ou civil. Os homens deveriam precisar de amor, mas não; precisam de dinheiro e de glória… e para isso precisam ser eucaliptos humanos.
Todos temos uma linguagem diferente; e porque somos naturalmente desiguais…acredito numa linguagem comum da humanidade, uma linguagem que, além da morte, é capaz de igualar todos os homens; mesmo os maus com os bons. É a única forma destes – independentemente de situação e condição – vencerem aqueles. Sei que me entende; e é por isso que ainda resta alguma esperança à humanidade. E tudo começou de forma imprevisível: um homem semeou uma vinha; e do seu fruto construiu a primeira bebedeira da história. Depois, escutou a mulher; a versão dela. E acreditou. Já bem dizia Lamartine que «atrás de todas as grandes coisas está uma mulher». Até da Torre de Babel; de todas as línguas. O Salomão dos anos maduros e o Corão dissidem…de Lamartine. E por alguma razão tudo se agigantou, e as «grandes coisas» se tornaram grandes homens…
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Virgílio Rodrigues Brandão – http://terra-longe.blogspot.com/
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