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segunda-feira, 11 de julho de 2011

ABÍLIO DINIZ, O "DONO" DO BNDES

Varejo no atacado

Operação pretendida pelo Pão de Açúcar não nacionaliza o grupo, apenas aumenta o poder de arbítrio do dr. Abilio, avalia articulista

09 de julho de 2011 | 15h 15


CARLOS LESSA
Nas últimas semanas, a fusão do grupo Pão de Açúcar com o grupo Carrefour para a criação do Novo Pão de Açúcar abriu um debate que percorreu a dimensão ética, jurídica, de interesse privado e dos interesses nacionais. Praticamente todos os articulistas da mídia impressa, televisiva e radiofônica colocaram em pauta a questão (corretamente, pois o BNDES, banco histórico do desenvolvimento industrial brasileiro, estava se propondo a aplicar mais de US$ 2 bilhões em uma operação global de quase US$ 3 bilhões!).
Pelo lado ético, foram feitos reparos a diversos protagonistas públicos e privados envolvidos na operação. Pelo ângulo jurídico, a redução do peso do grupo francês Casino em um Novo Pão de Açúcar tem as características de um divórcio parcial do empresário brasileiro e sua nova parceria com outro grupo francês, o Carrefour. Tem ou não um valor impeditivo para a operação pretendida (a existência de um acordo de acionistas entre o Pão de Açúcar e o Casino)? Neste momento, tudo leva a crer que a operação é juridicamente contestável e, levada aos tribunais, seria extremamente nociva para os parceiros atuais e os novos (Carrefour e BNDES). Isso, aparentemente, não foi levado em conta pelo BNDES, que não apenas avançou num comprometimento prévio com Abilio Diniz como lhe pôs nas mãos o poderoso argumento de R$ 3,7 bilhões.


Hoje, 7 de junho, li em jornal de grande circulação que o dr. Abilio declarou: "Fiz um trabalho extenuante". Costurar esse trabalho que foi feito não é fácil e entendo por quê; afinal, não é todos os dias que um empresário pode dizer a outros: tenho a chave para um suprimento financeiro superior a US$ 2 bilhões.
Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, declarou antes da controvérsia que o BNDES somente faria a operação se houvesse acordo do grupo Casino. O negócio não foi desmanchado, por isso o dr. Abilio, com a chave do BNDES, desafia o grupo Casino a demonstrar que a fusão não é uma boa ideia. Obviamente, a fusão é magnífica para o interesse privado do dr. Abilio, que, em entrevista, declara que quer "continuar levando a companhia que tem o DNA dele". Porém, isso não o impediu de, há alguns anos, assinar com o grupo Casino o direito de, em 2012, trocar, por R$ 1, a possibilidade de o grupo Casino consolidar os resultados do grupo Pão de Açúcar, diluindo o seu DNA. Quando assinou o acordo, era pré-datada a diluição do DNA brasileiro. É transparente a vantagem da operação pretendida para dr. Abilio. É inteiramente obscuro o interesse da sociedade brasileira nessa fusão que daria origem a um trio (dois franceses e um brasileiro).
É importante advertir a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que o BNDESPar é o braço do BNDES em operações no mercado de capitais e que é uma subsidiária 100% de propriedade do banco oficial. Este, como a ministra deve saber, é 100% do Tesouro. Assim sendo, são recursos públicos que, pela missão do BNDES, devem ser aplicados em projetos que gerem emprego e renda para os brasileiros.
Fusões podem ser meritórias, porém essa operação do Pão de Açúcar não nacionaliza o grupo de varejo, apenas aumenta o poder de arbítrio do dr. Abilio, restaurando seu DNA. Não é uma operação geradora de crescimento da economia. E, ao contrário do que declarou o ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, Fernando Pimentel, não gerará saldo comercial positivo. O ministro declarou que o grupo Carrefour iria, associado ao Pão de Açúcar, "ampliar exportações brasileiras" (?!). O atual Pão de Açúcar é uma rede varejista que importa muito mais do que exporta, gerando um saldo comercial negativo. O grupo Carrefour já participa da rede brasileira de varejo e não é exportador líquido para o varejo mundial; a entrada do Carrefour não ampliará a rede de varejo. O que amplia o varejo é a multiplicação de emprego e renda no interior da economia brasileira.
Alguém afirmou que a aplicação do BNDESPar em papéis do Pão de Açúcar é um ótimo negócio para o BNDES. A elevação de valor patrimonial passa por um aumento futuro de lucratividade do cogitado NPA - Novo Pão de Açúcar. Isso pode ser obtido por redução dos custos operacionais (inclusive massa de salários) ou pelo aumento da margem comercial na compra e venda das mercadorias que distribui como rede varejista. Cabe ao Cade julgar se essa concentração do varejo vai baratear o custo de vida ou a lucratividade maior será um jogo perverso em relação às famílias brasileiras. De qualquer forma, o BNDES não é vocacionado a maximizar seu lucro (não é um banco de investimento); é um banco de desenvolvimento cuja primeira função é ampliar o emprego e a renda dos brasileiros. Tenho a preocupação de que se produza um desgaste na imagem do BNDES, o que seria um subproduto perverso da cogitada operação.
O dr. Abilio diz que foram encomendados "estudos" a três consultorias para avaliar a operação. É óbvia a vantagem patrimonial privada de dispor de mais de US$ 2 bilhões de recursos públicos. As três consultorias devem estar construindo "argumentos" para seduzir o grupo Casino; outras deveriam mostrar "vantagens" para a sociedade brasileira.
Carlos Lessa é economista. foi presidente do BNDES e é professor emérito da UFRJ


segunda-feira, 30 de maio de 2011

UM EMPLASTRO CHAMADO PALOCCI





Aquilo que no passado o PT chamava de ‘esforço de militância’ confunde-se, cada vez mais, com mera ‘manobra de milícia’
28 de maio de 2011 | 16h 00

Francisco Foot Hardman

É lamentável que, defronte a esse território opaco dos segredos de uma firma chamada Projeto, protegida por uma fortaleza de "confidencialidades", deva-se ora constatar: o primeiro governo Dilma cambaleia, há menos de cinco meses de um início tão promissor. Mesmo que o prazo da sua sobrevivência se mostre incerto, afeito ainda a várias circunstâncias, já a hemorragia política letal do seu maior ministro não há como estancar, e nenhum expediente terapêutico ou jogada de craque deste que foi definido por Lula como "o Pelé da economia" - seria mesmo Pelé ou estaria mais para Ricardo Teixeira? - parecem, agora, poder reverter.

Ed Ferreira/AE
O chefe da Casa Civil, Antonio Palocci

Se o regime fosse parlamentarista, essa agonia seria visível a olho nu. No presidencialismo ultracentralizado, personalista e fisiológico, em que se funda o sistema político e partidário, talvez se mostre menos evidente, e aí também o perigo maior para o futuro do governo. A derrota na votação do Código Florestal na Câmara foi fragorosa, o PMDB deliberadamente decidiu terçar lanças e testar suas forças contra PT e Planalto. Seria diferente se a Casa Civil estivesse a todo vapor cumprindo sua função política primordial? Difícil responder, mas percebe-se que o jogo de silêncio e tergiversação com que o ex-prefeito de Ribeirão Preto repete, no estilo e no conteúdo, encenações passadas, porém não esquecidas, deixou não só a base aliada à deriva, mas atingiu agora seu ponto de saturação. E o retorno do processo do caseiro Francenildo, neste instante, só tende a agravar todo um quadro suspeitoso.


A entrada em cena de Lula, garantindo respiro no curto prazo, parece destilar veneno também contra a estabilidade e força de sua maior criatura política. Estranha coreografia, essa, a do ex-presidente, diante do desastre anunciado, mal contido em sua desenvoltura de pai soberano e onipresente, recomendando a insistência no emplastro que já se sentia como encosto, como xarope ruim, como receituário incômodo e altamente dispendioso para a economia política do governo. "Tá rindo de quê?", seria a pergunta natural, diante do indisfarçável euforia com que o "Pelé da política" retornava aos meandros do oligarquismo e do personalismo com que ele tanto soube pactuar.


A tragédia no Brasil moderno, no entanto, é sempre mais vasta. Na solidão do Planalto, em algum pequeno instante iluminado, é de se esperar que a presidente Dilma avalie a dimensão do estrago e as perspectivas de desenlace que a liberem desse emplastro hoje impróprio, correndo de si mesmo nas torrentes do inexplicável e nos vícios das amizades capitais, cercado de assessores laranjas e de homens-dispositivos, servidor desregulado aos movimentos do senhor sem nome e sem pátria que alguém alcunhara, há quase 150 anos, de Das Kapital. Ele não era, ao que conste, o eleito de Dilma, bem ao contrário. Sua aceitação significou reverência ao lulo-petismo. Talvez a autonomia requerida para que a grande governante possa despontar se insinue exatamente aqui, nesta encruzilhada a que todo fel da derrota expõe. O primeiro governo Dilma declinou cedo, mas sua chefe pode agora reunir forças para um próximo período, e avançar nas reformas inadiáveis prometidas, livre de um estorvo que não criou, mas cuja proteção, a continuar, lhe custará, certo, muito caro. O preço da hoje tão nomeada blindagem, em face a um PT há muito esquecido dos trabalhadores, a uma base aliada predominantemente conservadora, chegando às raias da pura reação no caso do Código Florestal, já se manifesta algo brutal. Aquilo que no passado se dizia "esforço de militância" confunde-se, cada vez mais, com mera "manobra de milícia". Que, mercenária como qualquer milícia, arredia a toda regulação, clandestina e turva, empareda-se afinal àqueles serviços que alcançam "enorme valor", frutos de uma "experiência única".


Longe dos alaridos enganadores do poder e dos amigos da onça, a presidente Dilma poderia ensaiar exercício imaginário de contrapor a opacidade gritante do enriquecimento vertiginoso do ministro ex-Libelu à clareza cristalina da palavra pobre e rara da professora Amanda Gurgel, há dias, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Já que muita vez o soberano, na solidão de seu posto, é obrigado a escolher sob qual voz melhor se inspirar. Ou sob qual espírito. Nessa semana, em Brasília, enquanto se investia tanta energia inútil em salvar aparências e manter velhos interesses intactos, nos sertões amazônicos do Pará, mais uma vez, a história se repetiu como tragédia, e não houve chance nem apelo para os líderes extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados a mando de desmatadores.


Processos aparentemente isolados, mas em íntima conexão: a paralisia de um governo às voltas com sua Casa Civil convertida momentaneamente em casamata de segredos espúrios, em cofre-forte de fugas da realidade, é a outra face do Brasil, esse do povo trabalhador e guardião da floresta, esse das professoras heroínas e alunos desamparados. A presidente Dilma sabe, sem vacilo, para onde conduz a incúria do Estado e a ganância dos mercados.


FRANCISCO FOOT HARDMAN É PROFESSOR DE TEORIA E HISTÓRIA LITERÁRIA NA UNICAMP