quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

CUIDADO, VOCÊ PODE SER PRESO!




Quarta-Feira, 16 de Fevereiro de 2011



16/02/2011 - 07h00
Cuidado, jornalista: criticar pode dar cadeia
Blogueiro no Rio Grande do Norte sofre três condenações a prisão, por críticas a prefeita, numa história que é uma aula de Brasil. E continua na moda, pelo país afora, o uso do Judiciário como instrumento para constranger a liberdade de expressão
!!!!!!!!!!!!!

Pra entrar no clima, só abrindo com pontos de exclamação. Treze, pra afastar assombração. O velho Aurélio aqui ao lado, deliciosamente jurássico em suas amareladas páginas de papel, esclarece:

“ exclamação. Ato de exclamar; voz, grito ou brado de prazer, alegria, raiva, tristeza, dor”

Tirando o prazer e a alegria, tudo a ver. Vontade de gritar. De tristeza, dor, raiva e, principalmente, de espanto. A história é uma aula de Brasil.

Você acha que é ofensa alguém dizer de uma autoridade pública, eleita pelo voto, que ela “paga o preço por seu despreparo”? Ou que anda “empazinada de ansiolíticos e com vida em boa parte reclusa”? E se, sem citar nomes, o sujeito fala que o “sumo pontífice e sacerdotisa da Seita Songamonguista do Reino Azul-turquesa” devem “ajustar seus rituais”? Ofensa?

A juíza Welma Maria Ferreira de Menezes, do Juizado Especial Criminal de Mossoró (Rio Grande do Norte), entendeu que as três afirmações eram ofensivas, sim. E, por causa delas, condenou a cadeia, em três processos diferentes, o blogueiro Carlos Santos, 47 anos de idade e 26 de atuação profissional como jornalista. As punições foram iguais: um mês e dez dias de detenção, em cada uma das ações penais, com permissão para cumprir a pena fazendo doações (no valor de R$ 2.040,00 por processo) a entidades filantrópicas.

Sentença 1 - "Empazinada de ansiolíticos e com vida em boa parte reclusa"

Sentença 2 - "A 'prefeita de direito' paga o preço por seu despreparo"

Sentença 3 - "Sumo pontífice e sacerdotisa da Seita Songamonguista do Reino Azul-turqueza, ajustem seus rituais"

Mossoró é o Brasil

Com cerca de 250 mil habitantes e uma das mais prósperas cidades do Nordeste, Mossoró é o segundo município do estado – só perde para Natal – em população e força econômica. Esta, derivada em especial do petróleo, da extração de sal, da produção de frutas, do comércio e do turismo. Uma cidade situada a meia distância (entre 260 e 270 km) da capital potiguar e de Fortaleza e que se orgulha de ter importantes edificações históricas e uma indústria de comunicação expressiva: quatro jornais locais, dez emissoras de rádio e duas de TV aberta. Uma cidade que... vai que é tua, Brasil... é administrada há 63 anos pela mesma família. Desde 1948, portanto. A família Rosado, a mesma da prefeita Fátima Rosado (DEM) e do seu irmão e chefe de gabinete, Gustavo Rosado (PV). E também da deputada federal Sandra Rosado (PSB), que lidera a oposição a Fátima. E, ainda, da governadora e ex-senadora Rosalba Ciarlini (DEM), que se elegeu prefeitaexime de responsabilidade em relação ao calvário que enfrenta. em 2000 disputando contra a Fátima, mas a ela se aliou nas duas eleições seguintes (2004 e 2008), e a quem Carlos Santos
O chefe de gabinete, Fátima e seu marido, o médico e deputado estadual Leonardo Nogueira (DEM), elegeram Carlos Santos como alvo de nove interpelações e 27 ações judiciais (cíveis e criminais). Uma foi arquivada, as outras 26 estão em andamento. Somente no dia 23 de abril do ano passado o trio deu entrada em 11 processos contra o jornalista blogueiro. Que é um fenômeno da internet local. Embora precária, quase heroicamente, Carlos consegue sobreviver com a publicidade que seu blog amealha. E o faz por causa da boa audiência, superior à de qualquer portal mantido na internet pelos tradicionais grupos de comunicação de Mossoró.

Seu sucesso lhe custa caro. Além dos processos judiciais, foi uma das principais vítimas de uma página apócrifa criada na internet, e retirada do ar pela Justiça em razão do sem-número de leviandades desferidas contra diversas personalidades da cidade. Ao contrário dos responsáveis pela tal página, ainda anônimos e impunes, Carlos Santos dá a cara a tapa. Assina o que escreve, tem endereço conhecido e longa trajetória na imprensa do município. “Tenho relações respeitosas com praticamente todos os políticos importantes do estado, meu problema é com o Gustavo e a Fátima”, resume.

Ivanaldo Fernandes, gerente de comunicação social da Prefeitura de Mossoró, diz que a prefeita Fátima Rosado não teve outra alternativa: “O Carlos Santos tem um blog que é muito acessado, ele é muito capaz, escreve muito bem, mas passou do limite. A crítica a prefeita aceita. Mas o achincalhe, não. Por isso, ela recorreu à Justiça, que é o instrumento disponível para resolver essas questões numa democracia”.

Realmente, o jornalista blogueiro às vezes pega pesado. É, no mínimo, de gosto duvidoso, uma afirmação sua sobre a prefeita, cuja incompetência ele não cansa de apontar. Carlos chegou a decretar que Fátima Rosado “não tem condições de gerenciar um fogão Jacaré, modelo camping de duas bocas, num piquenique escolar”. Mas, de mau gosto ou não, ele não tem o direito de manifestar sua opinião? Ou de dizer, como disse, que Leonardo, o marido da prefeita, tem um “olhar bovino”? São motivos fortes o bastante para meter alguém no xilindró? Ah, sim. Deixemos por um instante as indagações conceituais, sobre o antigo dilema dos limites de liberdade de informação e direito à privacidade, para esclarecer a história do sumo pontífice.
      
Na nota publicada no blog, Carlos Santos escreveu: “Alunos da Faculdade Mater Christi (Mossoró) solicitam, fervorosamente, que o sumo pontífice e a sacerdotisa que comanda a Seita Songomonguista do Reino Azul-turquesa ajustem seus rituais”. A mensagem cifrada fazia referência aos ruidosos encontros que Fátima (a sacerdotisa) e Leonardo (o sumo pontífice) fizeram em sua residência durante a campanha eleitoral do ano passado, na qual ele se reelegeu deputado estadual. “A casa da prefeita fica ao lado da faculdade, e o barulho que eles estavam fazendo, nessas reuniões, estava atrapalhando as aulas. Eram encontros para motivar as pessoas que iam às ruas pedir votos. Então eles gritavam, batiam palmas, e sempre terminava com foguetório”.

Marcos Araújo, advogado de Carlos Santos, entrará com recurso contra todas as condenações (duas delas sequer haviam sido publicadas oficialmente até ontem) e pedirá um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor do seu cliente, que ele defende de graça. Marcos fala que, além do inconformismo contra “a perseguição que o Carlos sofre”, tem interesse acadêmico pelo assunto. Seu mestrado em Direito Constitucional tratou exatamente do conflito entre o interesse da sociedade em informar e ser informada e os eventuais danos à imagem de pessoas.

Um dos aspectos que mais lhe incomodam é verificar como alguns veículos de Mossoró se associam à campanha contra Carlos Santos. “A cada ação que era formalizada contra ele”, conta o advogado, “o jornal dava destaque. O Carlos é um rapaz sério, que atira em todos os grupos. Ele é muito independente, e os independentes são problemáticos. Ele chegou a ter um jornal com um sócio. Como o jornal começou a se aproximar da prefeita, ele virou blogueiro. O uso da mídia na política é muito grande, e no Nordeste é maior ainda. Não tem um grupo de comunicação que não seja de um grupo político. E o Carlos acabou conquistando muita audiência por ser a única voz crítica à administração municipal”.

De acordo com o advogado, um dos processos surgiu porque Carlos relatou que a prefeita havia sido vaiada em um evento: “O problema é que, como é contra a prefeita, ninguém se dispôs a atestar. Ele é processado por expressar sua opinião. Por dizer que a prefeita é incompetente. Que ela é a prefeita de direito e quem é mesmo o prefeito é o irmão, e é um fato. A cidade toda sabe disso. Ele é o chefe de gabinete, mas é ele que vai a Brasília, que recebe o governador em exercício, reúne o secretariado. Juntei várias notícias de jornais mostrando isso, mas a juíza não aceitou”.

O Brasil é Mossoró

Juridicamente , enfatiza o advogado Marcos Araújo, Mossoró está na contramão da jurisprudência do STF. “Conforme voto do ministro Celso de Mello, incorporado ao acórdão do julgamento que derrubou a Lei de Imprensa, o agente público está sujeito a crítica. Havendo excesso nessa crítica, cabe no máximo a conversão da ofensa em indenização, jamais uma ação penal”. Pior: no caso em questão, o Ministério Público Estadual avalizou as ações criminais propostas por Gustavo/Fátima/Leonardo.

Há sinais, porém, de que, politicamente, Mossoró é um retrato do que rola no Brasil hoje. Desde 13 de novembro de 2009 os blogueiros Enock Cavalcanti e Adriana Vanhoni estão proibidos de emitir opinião sobre as mais de 140 ações em andamento na Justiça contra o presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, José Riva (PP). O jornal O Estado de S. Paulo é proibido desde 31 de julho de 2009 de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica (veja aqui a íntegra do inquérito), que investigou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Generaliza-se o hábito de políticos usarem a Justiça como instrumento para intimidar jornalistas e blogueiros, constrangendo assim a liberdade de informação assegurada na Constituição. A coisa bagunçou de tal modo que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se sente à vontade para adotar uma curiosa estratégia. Patrono de indicações para Furnas Centrais Elétricas que se converteram em fatos no mínimo estranhos, ele se recusa a dar entrevistas ao jornal O Globo, que levantou a lebre, furtando-se à obrigação básica de todo representante eleito de contribuir para esclarecer assuntos de interesse público. “Procuramos o deputado antes de publicar todas as matérias que fizemos. No começo, ele chegou a responder por e-mail, através da assessoria. Depois, nem isso”, conta Chico Otávio, repórter responsável pela cobertura. Curiosamente, o mesmo Eduardo Cunha que preferiu não se manifestar sapecou lá no Twitter, no último dia 4: “Incrivel tambem uma materia so com a versao do ataque.Vai fundo Chico Otavio e prepara o bolso.Vai trabalhar a vida toda para pagar a conta” (reprodução literal).













Kells Mendes (16/02/2011 - 17h11)
Na minha opinião a liberdade de imprensa é a base para Democracia .
Qualquer ato ou atitude diferente, temos que combater viementimente.
Nós Brasileiros somos hoje um povo livre e democrático .
Todos nós temos a obrigação de combater estes absurdos a imprensa Brasileira .
Viva a Democracia Brasileira, para que o nosso Brasil não volte ao passado .
A liberdade de imprensa tem que ser mantida independentemente de raça, ideal , religião e partido político.
Viva a democracia Brasileira.
Saudações Brasileiras.
Kells Mendes.


Luiz Aparecido (16/02/2011 - 16h53)
Meu caro Sylvio!!
Nestes rincões do Brasil a imprensa sofre. Principalmente se for sério e independente. E mesmo agora com a Internet, os blogueiros tambem passam aperto. Eu mesmo tenho dois processos, movidos não por uma prefeita de uma cidade média do Nordeste, mas por gente de outra estirpe. Jarbas Vasconcelos quando governador de Pernambuco, me processou e ganhou o processo e eu tive que passar tres meses prestando serviços ao Hospital de apoio de Brasilia. Isto porque disse que ele favorecia empresas que tinham financiado a campanha dele.
Outro caso é do probo deputado do PMDB do Espirito Santo, Lelo Coimbra, quando foi candidato a viceHartung há 11 anos atrás. Coloquei numa coluna eletronica que tinha então( ainda não havia a febre dos Blogs), que ele era irmão de um dos chefes do Esquadrão da Morte capixaba, o Zé Coimbra.O caso depois foi tão comprovado que Zé Coimbra acabou preso e é até hoje processado por formação de grupo de exterminio. A "Justiça" local, sem me ouvir proferiu uma sentença me cobrando Vinte mil reais de indenização. Não Paguei e por isto estou no Cadin até hoje.
Asssim é a "Justiça" brasileira de norte a sul e como são tratados os jornalistas que esperneiam.
Minha solidariedade ao blogueiro de Mossoró. E lutemos para mudar estas leis que só favorecem os poderosos.
Luiz Aparecido
Jornalista e Ciebtista Social governador na chapa vitoriosa de Paulo

Gabriela Olivar (16/02/2011 - 16h25)

Também estou emocionada com o que está escrito nesse post. Como jornalista e potiguar, eterna lamentadora dos rumos políticos que o nosso estado tem tomado há tantos anos, fico imensamente feliz quando, com sensatez e lucidez, sem medo, fatos lamentáveis como o que envolve o blogueiro Carlos Santos são expostos!

Parabéns, Sylvio. E obrigada por mostrar Mossoró, o Rio Grande do Norte e o Nordeste para um país ainda tão ridiculamente "espaço-regional-preconceituoso". Viva a liberdade de expressão!

Marcela Cavalcante (16/02/2011 - 15h26)
Não existe Sindicato dos Jornalistas no Rio Grande do Norte? Não estão protegendo esse rapaz? Ele é um admirável combatente da revolução digital. Entendo a ira da família Rosado. A internet chegou para acabar com o feudo deles.

Carlos Santos (16/02/2011 - 14h53)
Sylvio, é-me imprescindível agradecer. Sou-lhe grato.

Mas uma confissão, também: admito que chorei...

Seu texto, hoje, vai além de tudo que eu podia imaginar, ainda mais de alguém que sequer me conhece, não sabe minha origem, não goza de minha amizade corriqueira ou casual. Sabe que sou apenas Carlos. Mas não um "santo". Santos, só.

Sou-lhe, em verdade, um estranho. Um estranho nesse ninho de víboras que é nossa paixão comum: o jornalismo.

Dissestes, ao telefone, que faria um material "conceitual". Esperei, assinalo, meu nome num parágrafo, citado de forma ilustrativa. E, em verdade, já me bastaria.

O que vejo? O que leio?

Uma ode à liberdade de expressão, meu habeas corpus moral.

Repito: confesso que chorei...

De algum modo sei que minha mãe, falecida no dia 4 de dezembro de 2009, bem no meio desse turbilhão (poupada de tudo por seu alzheimer), deve estar apontando caminhos, desobstruindo barricadas, estacando inimigos.

Como os hindus, repito meu mantra: "Tudo passa!" Eu, como Quintana, "passarinho".

Obrigado.

Saúde e paz


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