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domingo, 25 de setembro de 2011

A FESTA DOS BODES - PARTE II - ASSUSTADOR!!!


No momento em que as manifestações de combate à corrupção ganham as ruas, uma polêmica livra a família Sarney de um processo espinhoso. A impunidade no Brasil tem raízes históricas. A promiscuidade entre política e Justiça está entre as principais causas 


Dá-se como regra que em Brasília os assuntos mais candentes não são resolvidos nos gabinetes e nos plenários, mas em restaurantes, quartos de hotel e festas particulares. Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a segunda mais alta corte do país, transformou em pó a mais extensa investigação já feita sobre a família do presidente do Senado, José Sarney. Realizada entre 2007 e 2010, a operação mapeou os negócios do clã maranhense nas abas do poder público, f1agrou remessas milionárias para o exterior, além de dinheiro do contribuinte indo parar em contas de empresas controladas, segundo a polícia, por "laranjas" do primogênito do senador, o empresário Femando Sarney. Transações quase sempre sustentadas por verbas de órgãos historicamente comandados por apadrinhados do superpoderoso parlamentar, como as estatais do setor elétrico. De tão complexo, o caso se desdobrou em cinco inquéritos. Três deles estavam prestes a se transformar em processos judiciais. Antes que isso acontecesse, porém, veio a decisão do STJ.

Uma das turmas do tribunal considerou que juízes de primeira instância não poderiam ter autorizado a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico de Femando Sarney e de outros investigados apenas com base em informações do Coaf, o órgão governamental encarregado de monitorar operações financeiras suspeitas. Foi uma transação de 2 milhões de reais, realizada no fim do ano eleitoral de 2006 e mapeada pelo Coaf, que serviu como ponto de partida para a investigação. Incumbidos da operação, Polícia Federal e Ministério Público discordam, obviamente, da decisão. Advogados criminalistas, claro, festejam. Independentememe de qual lado está com a razão, o fato é que o veredicto do STJ dá força à sensação de que os poderosos e aqueles que orbitam em seu redor nunca experimentam a força da lei no Brasil. É mais um elemento a confirmar a fama de paraíso da impunidade. Fama danosa ao país, mas que garante uma vida tranquila a figuras de proa da República às voltas com denúncias graves. Gente como os notórios Paulo Maluf, Luiz Estevão, Jader Barbalho e Renan Calheiros, beneficiados por um caldo cultural que tem como ingredientes a promiscuidade entre agentes públicos e empresários, a falta de apetite das instituições para punir certas castas e a letargia da população diante de malfeitos.

Para entender as razões que protegem políticos e corruptores do acerto de contas com a Justiça, é preciso retroceder ao descobrimento. Diz o professor e doutor em história Ronald Raminelli, da Universidade Federal Fluminense: "A impunidade é uma prática que veio paraca com os portugueses. Na Europa daquele período, os nobres e poderosos tinham privilégios e não eram submetidos às mesmas leis dos homens comuns. A diferença é que os europeus foram se livrando dessa tradição ao longo do tempo, mas aqui ela perdura até hoje". Na gênese dessa prática está a necessidade de autopreservação da elite política - comportamento que se cristaliza, por exemplo, nas absolvições de parlamentares criminosos e na dificuldade do Congresso em aprovar leis saneadoras na seara ética. "Para os poderosos, até hoje fica a interpretação da lei da melhor maneira possível. Há uma rede de proteção em que as leis são sempre interpretadas de acordo com os interesses dos grupos dominantes". prossegue Raminelli.

A Justiça é uma engrenagem indissociável desse processo. O problema começa na forma como são preenchidas as vagas nos tribunais superiores. Os ministros são escolhidos pelo presidente da República. Antes de assumirem, têm de ser sabatinados e aprovados pelo Senado. "O processo de escolha é uma verdadeira simbiose entre Legislativo. Executivo e Judiciário e foi levado a um ponto intragável, em que há sempre a perspectiva, por parte dos magistrados. de agradar aos políticos de plantão, que podem ajudá-los a galgar postos mais altos na Justiça" , afirma o procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. "Virou uma grande bancada de compadres, onde todos se protegem, se frequentam, e quem quiser ter vaga no STJ ou no STF tem de usufruir de proximidade e prestígio com os políticos." Com mais de cinquenta anos de vida pública, ex-presidente da República e pela quarta vez no comando do Senado, ao qual cabe realizar as sabatinas, Sarney construiu uma rede de relações e de influência sem precedentes - com ramificações em todos os poderes, principalmente no Judiciário.

Relator do caso que resultou no arquivamento do processo que investigou a família Samey, o ministro Sebastião Reis Júnior foi empossado em junho passado no STJ. Um de seus amigos diletos é o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro. Kakay, como o advogado é conhecido em Brasília, também é amigo de Sarney e defensor do clã maranhense há tempos. Essa relação de proximidade entre os três teve alguma coisa a ver com a decisão da semana passada? Certamente não. Mas relações assim fomentam determinadas lendas. "O Sebastião é meu amigo há muito tempo, mas não atuei nesse caso, não conheço os detalhes do processo nem sabia que ele era o relator". diz Kakay. Em fevereiro, o advogado organizou uma feijoada na mansão em que mora, em Brasília, que reuniu ministros. senadores e advogados famosos. Sebastião Reis era um dos convidados. Na ocasião, apesar de ainda ser aspirante à vaga no STJ. já. era paparicado como "ministro" por alguns convivas. O ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli também participou da feijoada. que varou a madrugada. Ah. as festas e os quartos de hotel em Brasflia.

No dia 17 passado, um sábado, Toffoli, Kakay e representantes de famosas bancas de advogados de Brasília voltaram a se encontrar em uma festa, em Araxá, Minas Gerais, no casamento de um dos filhos do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence. O aeroporto da cidade não via um movimento assim tão imenso fazia muito tempo. Os convidados mais famosos chegaram a bordo de aviões particulares, inclusive o ministro Dias Toffoli. Em nota, ele explicou que o avião lhe fora cedido pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janéiro, onde dá aulas. Naquele dia, por coincidência, o ministro, que estava junto de sua companheira, informou que tinha um compromisso de trabalho no campus que a instituição mantém em Araxá.

Sepúlveda Pertence é o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência - uma espécie de vigilante e fiscal do comportamento das autoridades do Executivo. Além de Kakay e Toffoli, ele recebeu como convidados o ex-senador Luiz Estevão (condenado a 31 anos de prisão e que deposita suas últimas esperanças em se safar da cadeia nos recursos que serão julgados no STJ e no Supremo) e o empresário Mauro Dutra (processado por desvio de dinheiro público) - e advogados que defendem ou já defenderam ambos. Toffoli é relator de um dos processos de Luiz Estevão no Supremo. Os quartos do hotel mais luxuoso da cidade foram ocupados, portanto, por juízes, réus e advogados que atuam em processos comuns. A feijoada de Brasília terminou na madrugada do dia seguinte, com um inofensivo karaokê. A festa de Araxá também avançou a madrugada, embalada por música eletrônica. Havia, porém, uma surpresa guardada para o final. Depois das 3 da manhã, as bandejas dos garçons passaram a circular com frascos de lança-perfume uma droga ilegal, que pode levar à prisão de quem a distribui. Quem a consome, se flagrado, também tem de se explicar à Justiça. ""Teve gente que passou mal no banheiro, mas foi tudo de boa", conta um dos convidados. Àquela hora, rezemos, os guardiães das leis, incluindo os anfitriões, já haviam se recolhido aos seus aposentos. Não teriam testemunhado, assim, o que pelas leis vigentes no país ainda é considerado crime. No dia seguinte, os jatinhos estacionados no aeroporto decolaram em direção a Brasília. Na segunda-feira, quando começa a semana de trabalho, os convivas passam a chamar-se de excelências. Voltam a ser juízes, advogados e réus. Só na aparência. infelizmente.
Autor: Revista Veja

A FESTA DOS BODES. LEIAM !!!


A ressurreição do ditador

Vargas Llosa traça um retratoimplacável do dominicano Trujillo

Tomás Eloy Martínez*
Há bibliotecas inteiras dedicadas à ascensão e à queda do generalíssimo Rafael Leónidas Trujillo Molina, ditador da República Dominicana de 1930 a 1961. Mas quem se aventurar nas páginas do último romance do peruano Mario Vargas Llosa, A Festa do Bode(tradução de Wladir Dupont; Mandarim; 450 páginas; 37 reais), poderá passar ao largo delas, pois este livro é a destilação prodigiosa de todo esse conhecimento. Mais ainda que os dados, importa aquilo que Vargas Llosa fez com eles: um retrato implacável do poder absoluto, num romance que se lê sem pausa do começo ao fim.
É preciso aproximar-se de A Festa do Bode em estado de inocência, deixando-se levar pelo autor sem perguntar a cada instante o que é mentira e o que é verdade, ou por que este ou aquele personagem, inspirado em algum bufão ou em alguma vítima do trujillismo, difere da pessoa real que lhe serviu de modelo. O que mais assombra em A Festa do Bode é o enorme trabalho de investigação, que sustenta o romance sem que jamais sejam notadas suas costuras. Como nos melhores textos de Vargas Llosa, aqui também assoma sua obsessão flaubertiana pelos detalhes que recriam o passado. Alguns sobreviventes recriminaram Vargas Llosa pela inexatidão desta ou daquela filigrana, baseados tão-somente nos registros da própria memória, sem no entanto considerar que o livro condensa centenas de documentos e aborda questões tão pequenas quanto o menu de restaurantes da década de 50.
Além de ressuscitar incontáveis memórias, este romance reúne também todas as técnicas e todos os gêneros freqüentados por Vargas Llosa, desde que estreou na literatura, com A Cidade e os Cachorros, até o recente Os Cadernos de Don Rigoberto. Ele é, de uma vez só, relato policial, melodrama, intriga política, história de uma conspiração, história de uma guerra e retrato de um ditador. Os tempos narrativos se movem com liberdade de um parágrafo a outro, sem que haja sobressaltos na leitura.
Mais de um crítico já indagou o porquê de Vargas Llosa ter decidido escrever um romance de ditador neste momento, 25 anos depois do surgimento de obras semelhantes, como O Outono do Patriarca, de Gabriel García Márquez, ou Eu, o Supremo, de Augusto Roa Bastos. Creio que a resposta é esta: porque agora é mais oportuno que antes. Em 1974 e 1975, os romances de ditador eram uma resposta ao afã dos poderes absolutos em apropriar-se da verdade. Agora que estão renascendo os autoritarismos, sob o disfarce de democracias rotas e manipuladas – no Peru de Alberto Fujimori, na Venezuela de Hugo Chávez –, os extremos inverossímeis da tirania trujillista servem para recordar que a aceitação dos primeiros abusos acaba na aceitação de abusos piores. Nos anos descritos por A Festa do Bode, tudo o que havia na República Dominicana era propriedade de Trujillo e de sua família: as indústrias, as Forças Armadas, o sistema de educação, as terras cultiváveis e até as mulheres, sobre as quais o ditador e seus filhos exerciam poderes medievais. Nunca é demais recordar que esses desmandos ocorreram neste continente. Podem ocorrer de novo.


Reuters
Joaquín Balaguer: títere e, depois, herdeiro definitivo


Cada romance cria seu próprio universo. Sua única obrigação é engendrar uma verdade que tenha valor por si mesma. Esse prodígio é difícil de alcançar num romance que trabalha sobre o tecido da história recente, porque neste caso cada leitor acredita possuir uma verdade distinta, que contradiz a ficção. EmA Festa do Bode, Vargas Llosa permitiu-se todos os malabarismos e irreverências com a realidade, enriquecendo o romance com a entrada e saída de seres vivos que ainda escrevem a história no presente. O Joaquín Balaguer de 93 anos que, cego e surdo, acaba de candidatar-se à Presidência da República Dominicana pode agora comparar-se ao astuto Joaquín Balaguer do romance, presidente títere de Trujillo e seu herdeiro definitivo. Não há operação novelística mais audaz que a de converter o presente em fábula. Os personagens históricos estabelecem, em A Festa do Bode, uma relação dialética com a imaginação. Ernest Hemingway escreveu, no prólogo de Paris É uma Festa, que as ficções podem sempre iluminar com luz nova coisas que antes foram narradas como fatos. A operação alquímica de Vargas Llosa em A Festa do Bode vai ainda mais longe. O Trujillo que prevalecerá na memória dos latino-americanos é o hipnótico personagem do romance, não o das biografias.

* O argentino Tomás Eloy Martínez é crítico literário e romancista, autor de Santa Evita, entre outros livros.


Os tubarões são testemunhas
"A raiva surdia por todos os poros do corpo, rio de lava subindo até o cérebro, que parecia ferver. Sempre soubera controlá-la quando preciso: dissimular, mostrar-se cordial, afetuoso com o pior lixo humano, as viúvas, os filhos ou os irmãos dos traidores. Por isso ia cumprir trinta e dois anos levando nas costas o peso de um país. Ah, como era agradável deixar a raiva fluir quando não havia perigo para o Estado. As barrigas dos tubarões eram testemunhas de que ele não se havia privado desse prazer. Ele jamais havia se arrependido de nada."
Trecho de A Festa do Bode