Um leilão sem estrelas
A PF investiga a venda do Hotel Nacional, no Rio. Um leiloeiro filiado ao PTB e um amigo de Carlinhos Cachoeira estão entre os favorecidos
Uma torre redonda e envidraçada, com mais de 100 metros de altura, se destaca desde 1972 em São Conrado, bairro nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro. Projetado por Oscar Niemeyer, o Hotel Nacional é um marco da arquitetura e já foi considerado o mais moderno da América Latina. Desde 1995, mais parece um imóvel fantasma, vítima das dificuldades financeiras de seu proprietário. Seu destino começou a mudar em dezembro de 2009, quando um leilão o transferiu da massa falida da Interunion Capitalização (dona do extinto Papa Tudo) para as mãos do empresário goiano Marcelo Limírio. Convocado a depor na CPI do Cachoeira, Limírio é parceiro de negócios do próprio contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, cujo apelido dá nome à comissão de inquérito.
A ligação do novo dono do Nacional com Cachoeira seria uma coincidência não fosse o leilão outro caso de polícia. ÉPOCA descobriu que o negócio é investigado pela Polícia Federal. A Justiça autorizou a quebra de sigilo bancário de todos os investigados por suspeita de desvio de recursos da Interunion Capitalização e até lavagem de dinheiro (leia o quadro abaixo). Três coisas causaram estranheza aos policiais federais – e em duas delas estão envolvidas siglas de partidos políticos:
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- O leilão foi remarcado várias vezes sem que o hotel fosse vendido. A última tentativa malsucedida, em 4 de novembro de 2009, estabeleceu um preço mínimo de R$ 118,5 milhões, com o pagamento mínimo de R$ 100 milhões praticamente à vista. No leilão seguinte, um mês e meio depois, o preço foi para R$ 85 milhões, com o pagamento inicial de R$ 21 milhões. Nessas condições bem mais amigáveis, foi arrematado por Limírio. (Ele não atendeu a reportagem de ÉPOCA por estar em viagem. Um de seus advogados negou sua participação no esquema de Cachoeira.) A queda de preço ocorreu com a aprovação da Superintendência de Seguros Privados, a Susep, órgão federal que fiscaliza 25% do mercado financeiro nacional – cujo comando, uma indicação política, vem sendo disputado pelo PT e pelo PTB desde o governo Lula. Na ocasião do leilão, o superintendente da Susep era o deputado federal Armando Vergílio, do PSD de Goiás, cujo padrinho é o deputado federal Jovair Arantes, do mesmo Estado. Líder do PTB na Câmara dos Deputados, Arantes é citado na Operação Monte Carlo da Polícia Federal, que deu origem à CPI do Cachoeira.
- Foram contratados dois leiloeiros, um em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro, para o leilão do Hotel Nacional. O de São Paulo era Luiz Fernando Sodré Santoro, suplente do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Outra empresa, de propriedade da mulher de Santoro, ainda entrou no negócio. Junto, o casal recebeu R$ 3,85 milhões.
- A Polícia Federal investiga também a contratação do escritório de advocacia Mattos, Rodeguer Neto, Victoria, de São Paulo, por R$ 2,76 milhões, num processo do qual já participavam três escritórios de advocacia. Segundo ex-acionistas da Interunion Capitalização, a contratação teve como efeito apenas “arruinar o patrimônio alheio”.
A proposta de venda do Hotel Nacional, com preço mais baixo e melhores condições de pagamento, nasceu na própria Susep, segundo o liquidante José Emílio Quintas, encarregado de gerir a massa falida do Interunion. “Nada aqui foi o liquidante que decidiu ou fez sozinho. A Susep ratifica tudo”, diz ele. A Susep regula e fiscaliza o mercado segurador. Age também como fiscal das liquidações extrajudiciais das empresas sob seu chapéu, como era o caso da Interunion Capitalização. Segundo o deputado federal Vergílio, superintendente da Susep à época do leilão do Nacional, o negócio foi feito “dentro da legalidade”. “O processo ocorreu de forma transparente”, disse. De acordo com ele, o encarregado por acompanhar a liquidação da Interunion era o então diretor de Fiscalização da Susep, o petista Waldemir Bargieri. Vergílio afirma que Bargieri era da “mais alta confiança do ministro Guido Mantega (Fazenda)”.
A proposta de venda do Hotel Nacional, com preço mais baixo e melhores condições de pagamento, nasceu na própria Susep, segundo o liquidante José Emílio Quintas, encarregado de gerir a massa falida do Interunion. “Nada aqui foi o liquidante que decidiu ou fez sozinho. A Susep ratifica tudo”, diz ele. A Susep regula e fiscaliza o mercado segurador. Age também como fiscal das liquidações extrajudiciais das empresas sob seu chapéu, como era o caso da Interunion Capitalização. Segundo o deputado federal Vergílio, superintendente da Susep à época do leilão do Nacional, o negócio foi feito “dentro da legalidade”. “O processo ocorreu de forma transparente”, disse. De acordo com ele, o encarregado por acompanhar a liquidação da Interunion era o então diretor de Fiscalização da Susep, o petista Waldemir Bargieri. Vergílio afirma que Bargieri era da “mais alta confiança do ministro Guido Mantega (Fazenda)”.
Partiu de Bargieri o convite para Quintas assumir a liquidação da Interunion. “Mas eu não o conhecia”, diz Quintas, antes de detalhar informações sobre sua carreira técnica. Procurado, o Ministério da Fazenda informou que a escolha de Bargieri para a Susep seguiu “critérios técnicos” e negou haver ligação de natureza pessoal entre ele e Mantega.
A segunda linha de investigação diz respeito ao leiloeiro Santoro, filiado ao PTB desde 1997. Ele recebeu, com a empresa de sua mulher, R$ 3,85 milhões pelos serviços prestados no negócio. O valor chamou a atenção do ex-proprietário da Interunion, o empresário Artur Falk. Advogados de Falk afirmam que o leilão poderia ter sido realizado apenas por uma leiloeira do Rio, que já fora contratada para o serviço e pelo qual recebera R$ 425 mil. Ouvido pela polícia, o casal de São Paulo disse que as despesas do leilão ficaram em R$ 1,5 milhão. Documentos obtidos por ÉPOCA mostram que os investigadores não só consideraram alto demais o “lucro” de Santoro (R$ 2,3 milhões), como também levantaram suspeitas sobre o verdadeiro destino da quantia paga.
A cifra milionária foi motivo de bate-boca entre Falk e Santoro, numa reunião realizada pouco antes do leilão do Hotel Nacional, com pelo menos uma dúzia de testemunhas. Como a comissão milionária ficaria a cargo do comprador do hotel, e não da massa falida, Santoro questionou se Falk tinha algo pessoal contra ele. Segundo um dos presentes ao tenso encontro, Falk disse: “Sou contra pagar 4,5% a mais porque o que sobrar depois da liquidação é meu!”. O advogado José Roberto Batochio, que defende Santoro e sua mulher, diz que eles receberam “a comissão que a lei permite e ainda assumiram o risco de perder, se não houvesse venda, R$ 1,5 milhão gastos com editais e publicações”. Batochio conseguiu suspender, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a quebra de sigilos de seus clientes. Mas a investigação policial continua. Sobre a escolha do petebista Santoro como segundo leiloeiro no negócio, Quintas diz que ele foi selecionado entre muitos candidatos a organizar o leilão do Hotel Nacional.
O terceiro foco de investigação é a contratação dos advogados em São Paulo. O escritório Mattos, Rodeguer Neto, Victoria foi contratado por R$ 2,76 milhões para defender a massa falida numa causa de R$ 184 milhões. O mesmo escritório de São Paulo recebeu ainda R$ 255 mil da massa falida para fazer o edital do leilão do Nacional. Um dos sócios, José Carlos de Alvarenga Mattos, afirma que o grupo trabalha há mais de 25 anos com liquidação de instituições financeiras. Ele diz que o escritório só recebeu R$ 690 mil até agora. “A gente vai receber (tudo) se houver sucesso no final da ação. O valor está dentro dos parâmetros (de mercado)”, diz Mattos. A quebra do sigilo bancário de envolvidos no leilão do Hotel Nacional, determinada pela Justiça, chamou a atenção do Ministério da Fazenda, que solicitou providências à Susep. Na semana passada, a Susep instaurou uma sindicância para averiguar os procedimentos no leilão, bem como a liquidação da Interunion, que se arrasta há 14 anos.
Com um patrimônio insuficiente para cumprir com suas obrigações, a Interunion sofreu intervenção em 1998. Falk foi condenado por gestão fraudulenta e entrou em atrito com os liquidantes da massa falida da empresa – cuja missão é vender o patrimônio da Interunion Capitalização para quitar as dívidas. Há milhões de reais em débitos pendentes, com o Poder Público e com credores privados, como os portadores dos títulos PapaTudo, que nunca viram a cor do dinheiro. Em 2006, Falk chegou a ser preso por tentar obstruir a Justiça. Hoje, ele tenta mais uma vez pressionar, com uma ação na Justiça, o atual liquidante, Quintas. Funcionário aposentado do Banco Central e ex-liquidante do Banco Nacional, Quintas assumiu a liquidação da Interunion em outubro de 2007. Acusado por Falk de “vários atos danosos à massa” e, por consequência, aos credores, Quintas pode ter respostas para muitas das perguntas feitas hoje pela Polícia Federal.
A prometida recuperação do Hotel Nacional é uma das bandeiras do prefeito do Rio, Eduardo Paes, que apresenta o projeto como se fosse seu. Segundo a prefeitura, a rede Intercontinental será a operadora do novo Nacional. É compreensível a ansiedade de Paes. Estrangulada por falta de ofertas, a rede hoteleira carioca tornou-se o maior desafio à realização do encontro ambiental Rio+20, em junho. É também motivo de preocupação para a Copa do Mundo, em 2014, e para a Olimpíada de 2016. Antes de poder se beneficiar do novo Hotel Nacional, porém, o Brasil precisa saber em detalhes o que, de fato, aconteceu com o antigo.
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